Ontem, vereadores e vereadoras de João Pessoa deram um show de irresponsabilidade, oportunismo e hipocrisia ao aprovarem um projeto de lei que torna missas e outros cultos religiosos como atividades essenciais na capital. A aprovação só não foi por unanimidade porque o vereador Marcos Henriques (PT) - aliás, um cristão evangélico praticante - votou contra. Foi o único.
Ao encaminhar o seu voto em plenário, Marcos Henriques citou o recorde de 1.910 mortes da quarta-feira, avocou o cientista Miguel Nicolelis e sua previsão sobre a possibilidade de que o Brasil venha a ter 3 mil óbitos diários nas próximas semanas e lembrou aos colegas parlamentares que as pessoas vão aos cultos e missas nos ônibus lotados que circulam diariamente na capital, o que potencializa, evidentemente, a disseminação do vírus. Debalde. Pregou no deserto. Foi voto vencido.
Prevaleceu o oportunismo dos legisladores pessoenses, que, na contracorrente da ciência e das autoridades sanitárias, alargaram irresponsavelmente o conceito de "atividades essenciais" para muito além do que estabelece o nosso ordenamento jurídico. Com efeito, antes da covid-19, o conceito de "atividade essencial" era usado exclusivamente na legislação brasileira para limitar o direito de greve em setores ligados ao "atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade" (Constituição Federal, Art. 9º, parágrafo 1º) e, na regulamentação desse dispositivo constitucional, a lei 7.783/1989 traz uma lista de atividades dessa natureza, com destaque para (i) tratamento e abastecimento de água; (ii) produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; (iii) assistência médica e hospitalar; (iv) distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; (v) serviços funerários; (vi) transporte coletivo; (vii) captação e tratamento de esgoto e lixo; (viii) telecomunicações; (ix) compensação bancária, dentre outras.
Ora, evidentemente ir a um culto ou a uma missa não pode ser considerado como uma "necessidade inadiável da comunidade", afinal de contas pode-se rezar (ou orar) em casa, não é mesmo? Ainda mais porque as Igrejas - sejam elas de qual credo forem - têm canais de TV e no Youtube, páginas na internet, perfis nas redes sociais etc. em que usualmente transmitem seus cultos, missas e rituais, além de outros vários programas devotados ao cultivo espiritual de seus fiéis.
Portanto, além de irresponsável e inoportuno, esse dispositivo da lei aprovada ontem na Câmara Municipal de João Pessoa é inconstitucional. Oxalá o prefeito da capital ouça um de seus maiores opositores na CMJP, consulte a Constituição Federal e use a sua prerrogativa de veto para derrubar essa excrescência.
Quando tudo o que precisamos nesse momento gravíssimo em que vivemos a maior crise sanitária da história do nosso país é aprofundar o distanciamento social, alargar o conceito de "atividades essenciais" para atender, sabe-se lá a quais interesses, é um ato irresponsável, oportunista e hipócrita. Representa, como disse Marcos Henriques ao Blog, "um movimento negacionista enrustido" entre os(as) nobres edis da capital.
Parabéns ao vereador Marcos Henriques pela coragem e coerência em nadar contra essa corrente. O povo de João Pessoa agradece.
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