quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

As Origens da UFCG

Em 2012 a UFCG comemora duas datas importantes: seus 10 anos de criação por desmembramento da UFPB e os 60 anos de fundação da Escola Politécnica de Campina Grande (POLI), primeira escola superior da cidade, conquista da sociedade civil campinense, mobilizada pelo lendário Edvaldo do Ó.
A POLI foi criada em 1952 pelo governador José Américo de Almeida e viria a constituir, juntamente com outras nove escolas superiores isoladas, a Universidade da Paraíba, também criada por José Américo em 1955. A Universidade Estadual seria federalizada por Juscelino Kubitschek, no apagar das luzes de seu prolífico governo, transformando-se na UFPB, com três campi: João Pessoa, Campina Grande e Areia.
Desde então, o Campus II da UFPB, que reunia a POLI e a FACE (Faculdade de Ciências Econômicas) protagonizaria episódios de vanguardismo, espírito criativo e empreendedorismo público na constituição do “campo” do ensino superior, da ciência e da tecnologia na Paraíba, a começar pela construção da sede da Escola Politécnica, projetada e executada por um “Escritório Técnico” formado por professores e estudantes do curso de Engenharia Civil, criado em 1954. A inauguração do edifício que hoje abriga o Centro de Humanidades da UFCG, em 1962, coincidiu com a criação do curso de Sociologia e Política, que daria um tom de engajamento e espírito crítico ao campus campinense, numa época efervescente da vida nacional. A criação do curso de Engenharia Elétrica em 1963 inaugurou uma tradição de excelência nessa área reconhecida nacional e internacionalmente ainda hoje, principalmente após a criação do Mestrado em 1970.
Em 1968, um lance ousado do diretor da POLI, o visionário Lynaldo Cavalcanti, viria a alçá-lo como uma das principais lideranças da UFPB. Contra a vontade do reitor-interventor Gillardo Martins, nomeado pelo governo militar, mas apoiado pela comunidade universitária, pela sociedade campinense e assessorado pela ATECEL, fundada em 1967 para este fim, Lynaldo adquiriu um IBM 1130 para o Campus II, o primeiro mainframe do Norte e Nordeste e quinto do Brasil, sem contar com um centavo sequer do orçamento da universidade, valendo-se apenas dos fundos angariados por professores, funcionários e estudantes.
Este ato de um dos maiores empreendedores públicos que a Paraíba já conheceu é um símbolo da tradição e da essência da UFCG e foi um prenúncio de seu futuro reitorado, que promoveria o primeiro "salto quântico" da UFPB, através de um extraordinário processo de expansão e interiorização. Mas essa é outra história.

Correio da Paraíba, 9 de fevereiro de 2012 (página A6)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

UEPB: AUTONOMIA E PARTIDARIZAÇÃO

Por Hermano Nepomuceno


Em junho de 2009, o governo do Estado anunciou o realinhamento do orçamento e reduziu em 17 milhões de reais a dotação da UEPB. O secretário de Planejamento, em entrevista à imprensa, declarou que “esse recurso fica contingenciado, ela não vai perder um Real... até o final do ano, ela terá de volta”. A reação foi rápida: Reitoria, Assembleia Legislativa do Estado, Câmara de Vereadores de Campina Grande, Sindicatos de professores e funcionários, diretório e centros acadêmicos, com repercussões em todos os setores da imprensa anti-maranhista. Ao perceber o estrago político, o governador decidiu rever o corte e, posteriormente, o secretário Ademir Melo foi substituído.
 Mas, em 24 de agosto de 2010, em plena campanha eleitoral, ao participar do ciclo de debates com os candidatos a governador pela Associação Comercial de Campina Grande, o candidato José Maranhão declarou: “eu acho que é inteiramente viável fazer a federalização da UEPB...”. Dois dias depois, no mesmo palanque, o candidato Ricardo Coutinho detonou: “Maranhão, desde sempre, tentou se livrar da UEPB... é um governo que não compreende a importância de se ter uma universidade estadual... uma postura de tentar a todo momento... combater a autonomia... ou então se livrar dela”, hipotecando ainda “apoio ao manifesto publicado ontem pela Associação dos Docentes da UEPB”. Desnecessário recordar que a comunidade universitária se consolidou como o maior cabo eleitoral do candidato Ricardo, depois do ex-governador Cássio, claro. A principal faixa de rejeição e resistência ao candidato Maranhão espraiava-se nas camadas médias e entre os eleitores de nível educacional superior.  A imagem de “inimigo de Campina” foi cristalizada. Enquanto em João Pessoa Ricardo Coutinho teve 59,4%, em Campina alcançou 64,2% dos votos válidos!
            Voto é uma decisão que gera consequências. Desde 2011, jogando seu discurso campinense na lata do lixo, o governador Ricardo vem contingenciando as transferências orçamentárias para a UEPB : quase dez vezes mais do que a tentativa do governador Maranhão no longínquo ano de 2009. Agora, os golpes finais contra a Autonomia Universitária: a redução dos níveis de repasse (comprometendo o processo continuado de expansão da Universidade) e o comando das contas correntes (estabelecendo o controle financeiro sobre as ações da Direção da UEPB). A reitora Marlene sintetizou, de forma pragmática e conceitual, a nova realidade: “Hoje vivemos a mercê da vontade do governador, ele manda quanto quer e como quer”! E ainda: “foi rasgada a Lei de Autonomia da UEPB”!.
             Para além da revisão-agora-do conceito de “autonomia” externada pelo governador nas suas twittadas, o jornalista Arimateia Sousa, em sua coluna “Aparte”, desta quarta-feira, constatou que “as pretensões políticas (de) Marlene têm imposto à instituição... um desvirtuamento de seu projeto acadêmico”. E acusa de partidarização com “a desmedida entronização da militância do PC do B nas decisões e na estrutura da UEPB”. A crítica vai além, e há acusações quanto à cooptação de lideranças eleitorais e até lança suspeição sobre o processo sucessório universitário.
            Antes de mais nada, duas preliminares precisam ser destacadas. Primeiro, o governador Coutinho refugou o seu próprio discurso de campanha e traiu quem lhe apoiou por conta dele. Segundo, a Autonomia Universitária foi ferida no seu essencial. Isto posto, como ativista e como observador da cena política campinense, creio que há fundamentos de verdade nas críticas da coluna “Aparte”.
            Mas a crítica à partidarização política e à instrumentalização eleitoral só tem validade agora? Só é válida contra o pequeno PC do B?
            Em 2004 e 2008 a partidarização e a instrumentalização beneficiaram o PSDB. E em 2010 foi a vez do PSB se beneficiar.
            As observações do jornalista Arimateia, muito perspicazes, podem nos levar a refletir sobre o aperfeiçoamento de mecanismos de controle extra-corporativos. Mas não podem nos desviar do central neste momento: o exacerbado autoritarismo governamental desta gestão que está quebrando a instituição da Autonomia.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

UFCG outorga título de Professora Emérita a educadora belga Ghislaine Duqué


  

 
Ghislaine Duqué, durante atividade no
Projeto Universidade Camponesa da UFCG.
 
Nesta terça-feira, 20, o Colegiado Pleno do Conselho Universitário da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) aprovou a outorga do título de Professora Emérita a Ghislaine Duqué, por sua “relevante e reconhecida contribuição ao estudo da Agricultura Familiar Camponesa no Brasil e competente e dedicada docência no curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades”.

A sua militância intelectual e prática em prol do desenvolvimento sustentável do Semiárido e da inclusão produtiva e cidadã das populações pobres do campo, na coordenação de diversos projetos de pesquisas e movimentos sociais, foi um dos pontos destacados pelo propositor do título, professor Márcio Caniello (diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido/UFCG).

“A história de vida dessa grande humanista que, criança, sentiu os rigores da Grande Guerra em sua pátria de origem, a Bélgica, e que no início dos anos 1970 optou por transferir-se para o Brasil para ser alfabetizadora de adultos no interior do Piauí, precisava ser reverenciada pela UFCG”, comentou Caniello.

A propositura do título foi feita ao Colegiado Pleno do Conselho Universitário após aprovação nos Conselhos Administrativo (CONSAD) e de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA).

Ghislaine Duqué – É especialista em Sociologia do Desenvolvimento pela Universidade de Sorbonne (Paris I), doutora em Sócio-Economia do Desenvolvimento pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS, Paris), Pós-Doutora pela Universidade de Paris X (Nanterre), Pesquisadora 1C do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde meados dos anos 1980 e Líder do Grupo de Pesquisa Produção Agrícola Familiar (GPAF), o qual fundou em 1995 e atualmente encontra-se certificado pela UFCG.

Desenvolveu atividades no Centro de Humanidades da UFCG, no Curso de Ciências Sociais de forma competente e dedicada (no qual teve orientanda de PIBIC laureada em 1997 com o Prêmio Jovem Pesquisador) e, especialmente, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS), onde é reconhecida pelos seus pares como uma das principais lideranças acadêmicas que por ali passaram e onde ainda participa como professora voluntária. Ela foi coordenadora do Programa por duas gestões, orientou e participou de diversas bancas examinadoras de teses de Doutorado e dissertações de Mestrado. Atuou como membro do Colegiado do Curso, em Comissões de Seleção e do Conselho Editorial da Revista Raízes desde 1984, dentre inúmeras outras atividades.

Participou como ativista na construção de redes como a Articulação do Semiárido (ASA) e na atuação voluntária em Organizações Não-Governamentais, como o Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas às Comunidades (PATAC), associação sem fins lucrativos fundada em 1971 em Campina Grande, da qual foi dirigente por mais de 20 anos e em cuja gestão como presidente, foi agraciada com os Prêmios NEAD de Estudos Agrários, Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social (2001) e Prêmio Banco Mundial de Cidadania (2002).

Acesse aqui a proposta de outorga do título de Professora Emérita

(Rosenato Barreto – NJC/CDSA com Marinilson Braga - Ascom/UFCG)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Um Novo Paradigma para o Desenvolvimento Sustentável do Semiárido


Até bem recentemente, o Brasil adotava uma estratégia de desenvolvimento rural voltada quase exclusivamente para o fomento da agropecuária empresarial, tendo como meta principal a maximização da produtividade nesse setor. Embora tenha apresentado resultados importantes, como o significativo aumento da produção agropecuária nacional e sua influência decisiva nos superávits da balança comercial nos últimos anos, essa estratégia resultou praticamente inócua no que se refere à solução dos problemas sociais que caracterizam o meio rural brasileiro, particularmente a concentração fundiária e a falta de emprego e renda que expulsam o trabalhador do campo e deixam sem perspectiva de futuro os milhares de jovens camponeses de cuja “opção de ficar” na terra natal depende, realmente, a continuidade e o futuro da unidade produtiva familiar. Por isso, essa estratégia foi batizada de modernização conservadora.

Os dilemas sociais, econômicos e ecológicos da modernização conservadora há muito têm sido denunciados no debate sobre o desenvolvimento rural brasileiro, discussão que se intensificou com a emergência dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil no Brasil após o fim do regime militar. Esse debate levou a pelo menos um consenso entre estudiosos, atores sociais e governo: a importância crucial da chamada agricultura familiar camponesa para o desenvolvimento rural, especialmente em virtude do seu extraordinário potencial na geração e manutenção de emprego e renda no campo, o que confere a ela um papel estratégico no contexto da região semiárida nordestina, onde é amplamente majoritária.

O reconhecimento da agricultura familiar foi um passo muito importante no quadro do desenvolvimento rural brasileiro, principalmente porque levou à criação de políticas públicas específicas voltadas para ela, cujo alcance, aliás, teve um crescimento exponencial a partir do Governo Lula, como se pode verificar na evolução do Plano Safra da Agricultura Familiar, que cresceu 572% em relação ao Governo FHC, saindo de um total de R$ 2,4 bilhões (safra 2002/2003) para R$ 16 bilhões (safra 2010/2011), o que permitiu que o número de contratos avançasse de 890 mil para mais de 2 milhões/ano safra.

Entretanto, verifica-se que muitos produtores familiares não conseguem acessar esses recursos por falta de informações, conhecimentos e assistência técnica. Além do mais, há grandes dificuldades em se desenvolver novas tecnologias e analisar e difundir as muitas experiências bem sucedidas de desenvolvimento promovidas pelos movimentos sociais e organizações civis da região, pois as instituições públicas, como as universidades e os institutos de pesquisa, mantêm-se distantes da população. Isso acaba por dificultar a interação que deveria ocorrer entre a comunidade técnico-científica e a população rural, o que promoveria uma importante troca de práticas e conhecimentos na construção de estratégias realmente sustentáveis para o desenvolvimento local.

Assim, é preciso construir um novo paradigma de desenvolvimento para o semiárido brasileiro por intermédio de processos de inovação tecnológica adequados, difusão e crítica da produção técnico-científica, massificação da informação sobre as políticas públicas e as ações devotadas ao fomento da agricultura familiar no Bioma Caatinga e por meio do debate sobre processos produtivos, de gestão e organização social apropriados às suas peculiaridades culturais, sociais, políticas, econômicas e ambientais. Três princípios básicos fundamentam essa construção.

Em primeiro lugar, o fomento de um modelo de desenvolvimento baseado nos preceitos da sustentabilidade, isto é, uma estratégia para a promoção da melhoria de vida das populações atuais pautada pela reflexão sobre as gerações futuras, em que estão concatenados desenvolvimento econômico, desenvolvimento humano e responsabilidade ambiental.

Articulado a isso, a sociedade precisa entender que os camponeses são portadores de uma identidade cultural e de uma ética próprias associadas a um modo de vida não capitalista que, embora pressionadas por um sistema econômico cuja hegemonia pontua para a maximização do lucro, a ampliação do consumo e a mercantilização da terra e do trabalho, reitera suas particularidades e se reinventa cotidianamente, interagindo positivamente com a modernidade. Assim, é necessário oferecer a esses sujeitos sociais elementos para o resgate de sua identidade cultural e expertise técnica tradicional como uma estratégia para desenvolver a auto-estima e autodeterminação necessárias para que eles, preservando seu ethos, possam manter relações mais positivas com o sistema econômico hegemônico.

Finalmente, é imprescindível que se invista na implementação de um modelo produtivo adequado ao modo de vida desses camponeses, ao território que eles habitam e às necessidades impostas pelo sistema econômico. É um modelo “pluriativo” que privilegia o trabalho e sua remuneração e que se adapta aos fatores naturais, biológicos e meteorológicos. Isto é, um modelo que respeita os produtores, os consumidores e a natureza num projeto social renovado. É um modelo que propõe uma agricultura com baixo consumo de insumos comerciais e alto investimento em trabalho e em tecnologias apropriadas, capaz de manter um nível de emprego rural elevado e assim evitar o crescimento dos desequilíbrios territoriais e sociais ligados à forte urbanização. Dessa forma, ela pode ser competitiva economicamente e mais justa socialmente, pois concorre, por um lado, para a segurança alimentar das populações rurais através do autoconsumo, e também das populações das cidades através da venda de excedentes.

Foi este o principal objetivo da criação da Universidade Camponesa em 2003 no Cariri Paraibano e hoje constitui a base e a motivação do projeto acadêmico do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido, campus de Sumé da UFCG.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Dirigentes da UFCG são homenageados com Título de Cidadania em Sumé


"Uma conquista coletiva, promovida por homens, idéias e ações, num tempo certo”. Assim sintetizou o reitor Thompson Mariz ao falar sobre as razões que o levaram a ser agraciado com o título de cidadão sumeense, na noite da última sexta-feira, 16. 

Referindo-se às inúmeras manifestações promovidas pela população da região “ecoadas no Grito do Cariri”, mobilização símbolo da conquista de um campus da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) na cidade de Sumé, Mariz dividiu a honraria com seus, agora, concidadãos.

Ao agradecer à população, o reitor da UFCG disse continuar trabalhando pela disseminação da educação superior no estado, pois “é uma das principais ferramentas de transformação e de cidadania para as microrregiões”.




 
O diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiário (CDSA), campus da UFCG em Sumé, Márcio Caniello, discorreu sobre o destino, traçado pelas circunstâncias e emoções, que também o levou a receber o título de cidadão sumeense.

“Das decisões, circunstâncias, racionalidade ou emoções o destino se faz, na ação do homem. Esse momento, essa acolhida como cidadão dessa terra, é consequência muito mais da emoção que faz brotar coisas boas”, ressaltou, afirmando que a paixão pela cidade foi à primeira vista - quando trabalhava numa pesquisa científica.

E ilustrando seu discurso com trecho de uma crônica do jornalista Irineu Joffily (Gazeta do Sertão, 1888), Caniello também fez uma rápida leitura do homem e seu tempo, das pontes que a educação ergue para o desenvolvimento social e humano.  

Além do reitor e do diretor do CDSA, também foram agraciados com a cidadania sumeense o superintendente estadual da Funasa, Bruno Gaudêncio, o pároco de Sumé, padre Haroldo Andrade, o ex-prefeito de Gurjão, José Carlos Vidal, e o engenheiro Eronaldo Pereira dos Santos.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

“Viva São João!", ou o espírito rural do Brasil


Nos últimos anos, desenvolve-se um importante debate no meio acadêmico brasileiro sobre a “ruralidade” do Brasil atual, uma vez que as estatísticas oficiais têm demonstrado, censo a censo, que houve um forte processo de urbanização do país na segunda metade do Século XX, pois a população rural brasileira despencou de 55%, em 1960, para apenas 15% em 2010, de acordo com o IBGE.
Embora os números sejam eloquentes e reflitam um processo demográfico real, uma importante corrente de cientistas sociais brasileiros os consideram superdimensionados, em função da matriz conceitual e política que os envolve. Em artigo que sumariza os argumentos dessa corrente crítica, a professora Maria de Nazareth Wanderley ressalta, fundamentalmente, que a definição do recorte rural/urbano é uma atribuição dos municípios, que têm interesse em superdimensionar a área urbana, uma vez que o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966) estabelece que os impostos municipais são arrecadados na zona urbana e os federais nas áreas rurais. Assim, “a extensão exagerada das zonas urbanas é um artifício para o incremento das receitas locais” (Wanderley, 2009).
Acrescenta Wanderley que dois dispositivos jurídicos favorecem essa manobra, ambos especificados no artigo 32 do CTN. O parágrafo 1º “associa a condição urbana à existência de melhoramentos, mas admite que para ser considerada urbana, basta a uma zona dispor de pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistemas de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado”. Por outro lado, o parágrafo 2º flexibiliza ainda mais a definição ao prever que “a lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior” (Wanderley, 2009).
Esses critérios definidos há 45 anos no CTN estão, evidentemente, desatualizados, não refletem a realidade atual do campo no Brasil e, portanto, as legislações municipais que fundamentam a matriz estatística do IBGE alimentam, nas palavras de José Eli da Veiga, a “ficção oficial” de que o Brasil é mais urbano do que realmente é (Veiga, 2002). De fato, segundo o Censo de 2010, 70% dos municípios brasileiros têm até 20.000 habitantes: em que medida podemos realmente considerá-los “urbanos”?
Neste post quero expressar um argumento em favor das teses esposadas por Veiga e Wanderley sobre a ruralidade do Brasil. E aqui não falarei como o economista ou a socióloga, mas como antropólogo que sou, procurarei demonstrar que as festas juninas, um verdadeiro patrimônio histórico da cultura brasileira, explicitam o quão rural é nosso “espírito nacional” e, portanto, a sociedade brasileira. Sigo aqui uma premissa básica da ciência que procuro professar e que me foi incutida pelo meu Mestre, Roberto DaMatta: é através de suas festas que um povo expressa sua real identidade, isto é, sua essência existencial, recôndita no fundo da alma por mecanismos racionais que muitas vezes a ocultam por razões diversas, inclusive a vergonha.
As festas nacionais, como o carnaval magistralmente interpretado por DaMatta no livro Carnavais, malandros e heróis (1978), são “dramas metafóricos” cíclicos, realizados fora do cotidiano das pessoas, num período demarcado, em que elas podem “se soltar”, vivenciando por algumas horas ou dias facetas de sua personalidade social – ou do que denomino, apoiando-me em Hegel, de “espírito nacional” (Caniello, 2001) - que não explicitam no dia-a-dia, porque ali desempenham outros papéis, relacionados com o mundo do trabalho e com os imperativos do status social e econômico que dominam e circunscrevem o indivíduo na sociedade ocidental.
Assim ocorre com nossa identidade rural, que começou a ser “deteriorada” simbolicamente na medida em que os valores do industrialismo e da urbanização passaram a dominar ideologia de progresso que o Brasil passou a adotar a partir da Revolução de 30. A triste imagem do Jeca Tatu, estereótipo do “caipira”, “matuto” ou “tabaréu” oferecido à cultura brasileira por Monteiro Lobato em 1918 com a publicação de Urupês, constitui-se num arquétipo negativo da ruralidade, hoje impresso fundamente na alma nacional. Assim, renegamos nossa ruralidade como se ela fosse um símbolo do atraso que conseguimos superar com o “progresso” resultante da industrialização e da urbanização, não importa a que custo, nesse processo batizado, com rara felicidade, por Alberto Passos Guimarães, como “modernização conservadora”.
Mas, nas festas juninas, rurais por sua natureza intrínseca, esquecemos isso tudo e nos transmutamos. Não há criança ou adulto no Brasil - a exceção, evidentemente, dos próprios habitantes da zona rural - que não tenha pelo menos uma vez na vida se fantasiado de “caipira”, como se diz no centro-sul do país, ou de “matuto”, como se diz no Norte e no Nordeste, para participar de um evento alegre, luminoso e extremamente gregário, que nossa memória não esquece jamais.
Os dias de Santo Antônio (13/06), São João (24/06) e São Pedro (29/06) são festejados efusivamente nos quatro cantos do país, da mesma maneira nas cidades e no campo, com o cardápio típico, a fogueira, as bandeirinhas, os balões, os fogos, o mastro, a quermesse, a quadrilha e o boi... É bem verdade que as festas juninas apresentam ricas variações regionais que expressam a dimensão continental do país e a formação sincrética do povo brasileiro, mas sua “regularidade sociológica estrutural”, como diria Lévi-Strauss, as fixam como um verdadeiro ritual nacional. Aliás, arrisco-me a dizer, cutucando filialmente o Mestre DaMatta, que nós, brasileiros, somos mais juninos do que carnavalescos - portanto mais rurais do que urbanos - pois enquanto o carnaval é um evento realizado apenas nas cidades, as festas juninas, rurais em sua natureza, são realizadas, indiscriminadamente, nas cidades e no campo, em todas as regiões do país.
As festas juninas são a principal festividade dos habitantes da zona rural do Brasil e um “drama metafórico da ruralidade” para os brasileiros das cidades. Nós as realizamos todos os anos para lembrarmos, ardentemente, quão rural é o nosso espírito nacional.
Viva São João!!! Viva o Povo Brasileiro!!! Viva o Brasil Rural!!!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Ministério do Desenvolvimento Agrário convida UFCG para elaborar projeto

Por Marinilson Braga - Ascom/UFCG




Secretário Jerônimo Rodrigues pede plano de capacitação para o Programa Territórios da Cidadania


“Vivemos um momento de extrema exigência de inteligência, com um conjunto de ações que precisamos aperfeiçoar”, declarou o secretário de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA), Jerônimo Rodrigues, em reunião com o Colegiado Territorial da Borborema na noite dessa quinta-feira, 17, no campus da UFCG em Campina Grande.

Para ele, a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), com o seu Know-how, tem muito a oferecer no pensar e no fazer do Programa Territórios da Cidadania, apresentando ideias e promovendo ações que repercutam propositivamente como um novo salto na estratégia de desenvolvimento territorial sustentável.

O secretário, ao traduzir o estágio atual do programa, revelou a necessidade de ampliar horizontes para a captação de recursos e, consequentemente, tornar mais eficiente sua aplicação no combate à pobreza e desigualdades sócias no meio rural.

“Precisamos dar impulso a um mutirão de intelectualidade. Começando aqui, com a UFCG formatando um projeto”, desafiou Rodrigues, convocando o coordenador da Célula de Acompanhamento e Informação do Território da Borborema, professor Márcio Caniello, a pensar e arquitetar tal proposta.

O desafio

Para evitar a perda de recursos e a redução de programas, necessário que se qualifique a gestão e haja uma logística financeira, defende o secretário, assim, nos próximos quatro anos – já na elaboração do Plano Plurianual (PPA 2011-20115) consiga-se ampliar o volume de recursos destinados ao MDA.

A expectativa é de que no núcleo da Borborema, pelo pionerismo do projeto Universidade Camponesa da UFCG, as respostas e provocações brotem e projetem um novo momento: o da capacitação. “Começando na Paraíba, em Campina Grande, um plano de habilitação que aprimore as coordenações e auxilie os colegiados, principalmente do Norte e Nordeste, na elaboração e gestão de projetos”, ressaltou.

A resposta

A UFCG está a serviço do país, na busca constante de respostas para as problemáticas sociais, seja interagindo, gerando ou gerindo processos, respondeu Caniello. “Entre tantas contribuições, a universidade tem atuado. Criando bases e fortalecendo plataformas, temos promovido o capital social”.

“Cursos de extensão voltados à gestão pública e a criação de uma rede de ensino a distância são ferramentas que a universidade pode explorar para a capacitação e qualificação dos atores sociais”, expôs.

O pesquisador também fez uma breve reflexão sobre um de seus trabalhos acadêmicos que - segundo o secretário - será instrumento de debate em reunião de equipe na Secretária como pauta de reflexão, nos pontos da “eficiência, da eficácia e da efetividade”.

Mobilização

O encontro também debateu pontos estratégicos para a operacionalização de movimentos com atores sociais, rurais, como artesãos, mulheres e jovens que, balizados por um projeto de comunicação, consigam despertar a população rural de baixa renda para uma maior integração ao programa e sensibilize o país, em especial a classe política, para a ampliação de projetos direcionados ao desenvolvimento sustentável.

Publicado no Portal da UFCG



domingo, 12 de junho de 2011

Programa Territórios da Cidadania favorece a permanência das famílias no campo

O Programa Territórios da Cidadania foi instituído pelo governo federal em 2008, visando ampliar os bons resultados do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT), criado no primeiro ano do governo Lula (2003) pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), também criada naquele ano.
Conforme preconiza o decreto de 25 de fevereiro de 2008 que instituiu o Programa, essa política pública tem por objetivo “promover e acelerar a superação da pobreza e das desigualdades sociais no meio rural, inclusive as de gênero, raça e etnia, por meio de estratégia de desenvolvimento territorial sustentável”, sendo implementada a partir de três eixos de atuação: ação produtiva, cidadania e infra-estrutura. Esses eixos orientam a elaboração de Matrizes de Ações Anuais, com recursos previstos no Plano Plurianual e no Orçamento Geral da União, nas quais os órgãos envolvidos (22 Ministérios e Secretarias), sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República, definem as ações que pretendem desenvolver em cada território.
Os Territórios da Cidadania são conjuntos de municípios unidos pelo mesmo perfil econômico e ambiental, que possuem uma identidade comum e coesão social e cultural. Em cada Território é constituída uma instância deliberativa formada por representantes da sociedade civil (associações, sindicatos, ONGs, cooperativas, etc.) e dos governos federal, estadual e municipal, denominada Colegiado ou Fórum. É no âmbito dessa instância que as Matrizes de Ações Anuais são discutidas de maneira viabilizar, através de projetos aprovados pela plenária, a efetivação do seu Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS), elaborado e homologado pelo próprio Colegiado Territorial.
Atualmente há 120 Territórios da Cidadania homologados no Brasil, abrangendo 1.852 municípios, os quais abrigam 46% da população rural brasileira, isto é, 13 milhões de pessoas. Segundo o MDA, o Programa beneficia cerca de dois milhões de agricultores familiares (46% do total), 525 mil famílias de assentados da reforma agrária (67%), 210 mil pescadores (54%), 810 comunidades quilombolas (66%) e 317 terras indígenas (52%). A região Nordeste possui 56 territórios (47% do total), o Norte 27 (23%), o Sudeste 15 (13%), o Centro-Oeste 12 (10%) e o Sul 10 (8%).
Na Paraíba o processo de identificação de territórios rurais foi iniciado antes mesmo do governo Lula, em 2001, quando o Projeto Dom Hélder Câmara (PDHC) empreendeu um conjunto de pesquisas de campo no Nordeste para execução do “Projeto de Desenvolvimento Sustentável para os Assentamentos de Reforma Agrária do Semi-Árido Nordestino” (Convênio com FIDA), que consideramos precursor do PRONAT, no qual que atuamos na identificação do Território do Cariri (Caniello, 2001).
Em 2003 foram homologados os territórios rurais do Cariri, Borborema, Zona da Mata e Médio Sertão. Em 2007, dois desses territórios foram desmembrados com a homologação dos territórios do Cariri Ocidental, Cariri Oriental, Mata Sul e Mata Norte, além da criação do território do Curimataú. Atualmente a Paraíba conta com sete territórios rurais homologados, sendo que seis deles fazem parte do Programa Territórios da Cidadania, contemplando mais de 80.000 famílias.


De maneira a dar transparência à execução do Programa, que em três anos destinou mais de 63 bilhões de reais para os Territórios da Cidadania, a SDT/MDA disponibiliza ao público informações detalhadas e atualizadas sobre a aplicação dos recursos no Portal da Cidadania, bem como informações estatísticas dos territórios no Sistema de Informações Territoriais (SIT). A Secretaria também desenvolveu o Sistema de Gestão Estratégica (SGE), que é uma ferramenta disponibilizada para que os Colegiados Territoriais e os diferentes gestores dessa política pública qualifiquem seu próprio desempenho a partir da gestão de informações e de processos de comunicação.
Neste sentido, em 2009 o CNPq laçou o Edital MDA/SDT/CNPq – Gestão de Territórios Rurais Nº. 05, tendo como objetivo selecionar projetos de pesquisa para o monitoramento, avaliação e acompanhamento da evolução e qualidade dos resultados do Programa Territórios da Cidadania, baseando-se em metodologia desenvolvida pelo SGE. Foram selecionados 37 projetos, executados por Células de Acompanhamento e Informação (CAI), formadas por dois professores universitários, um técnico de nível superior e dois bolsistas. Na Paraíba, foi selecionada a proposta da UFCG para o Território da Borborema[i].
No primeiro ciclo da pesquisa, realizado entre agosto de 2010 e março de 2011, foram aplicadas cinco séries de questionários, totalizando 472 entrevistas realizadas com membros do colegiado, executores, “conhecedores” e beneficiários dos projetos, além de famílias residentes na zona rural do território. Os questionários foram inseridos na base de dados do SGE, tabulados e tratados estatisticamente de maneira a gerar uma série de indicadores e índices.
Neste artigo iniciamos a interpretação do Índice de Condições de Vida (ICV)[ii], gerado a partir dos dados de pesquisa de opinião realizada numa amostra aleatória de 260 domicílios rurais de dez setores censitários definidos pelo IBGE nos seguintes municípios do território da Borborema: Arara, Areia, Esperança, Campina Grande (Galante), Lagoa Seca, Matinhas, Puxinanã, Queimadas, São Sebastião de Lagoa de Roça e Serraria.
Embora o ICV apurado tenha sido de apenas 0,562, o que indica que os entrevistados considerem sua condição de vida “média”, o ponto alto da avaliação dos habitantes da zona rural da Borborema foi quanto ao principal efeito gerado pela política territorial: a permanência dos familiares no domicílio, que atingiu o escore de 0,824, o mais alto entre todos os indicadores apurados.
De fato, 60% dos entrevistados disseram que nenhum membro da família teve que deixar o lar para trabalhar fora e outros 20% disseram que poucos membros da família tiveram que fazê-lo.
Este é um dado muito importante, uma vez que 90% dos respondentes afirmaram ter alguma produção em seu domicílio, sendo que praticamente todos podem ser considerados agricultores familiares, pois 100% declararam ter uma área de produção menor do que quatro módulos fiscais, 99,6% disseram que a família administra e trabalha principalmente na propriedade, tendo no máximo dois empregados permanentes e 81,4% afirmaram que sua renda vem principalmente dessa produção[iii]. Ademais, quando indagados sobre a condição da mão de obra familiar, 86% afirmaram ser “ótima” ou “boa” a quantidade de pessoas da família que está trabalhando, ao passo que 84,1% tiveram a mesma avaliação qualitativa sobre essa mão de obra, considerando-se sua qualificação e capacidade.
Por outro lado, ainda que 54,9% considerem sua renda familiar, tão somente, “regular”, 59,8% dos entrevistados asseveraram que nos últimos cinco anos a situação econômica da família “melhorou” (47,3%) ou “melhorou muito” (11,5%).
Embora tenhamos que aprofundar a pesquisa para chegarmos a conclusões definitivas, penso que esses números dizem que a zona rural do território da Borborema é dominantemente ocupada por camponeses que vivem de sua pequena produção agropecuária e que, em virtude da melhoria da condição econômica familiar nos últimos anos, não foram obrigados a deixar a propriedade em busca de trabalho nas cidades.

Podemos anunciar, assim, uma das hipóteses de trabalho que serão testadas pela equipe da CAI-Borborema: a política de desenvolvimento territorial empreendida no Governo Lula colaborou para a mitigação do êxodo rural no território da Borborema, considerando-se que o último Censo do IBGE demonstrou que o ritmo do processo de urbanização no Nordeste, principal beneficiário dessa política, reduziu-se significativamente na última década, uma vez que durante 30 anos, a diferença proporcional entre os quantitativos das populações urbana e rural crescia em favor da primeira numa média de 8,7% a cada decênio, enquanto essa taxa foi de apenas 4,1% na primeira década do Milênio, como se pode verificar no gráfico.



[i] Célula de Acompanhamento e Informação da Borborema (CAI-Borborema): Prof. Dr. Márcio de Matos Caniello (UFCG/CDSA/UAEDUC), coordenador, Profa. MSc. Maria de Fátima Martins (UFCG/CH/UAAC), professora colaboradora, MSc. Valério Veríssimo de Souza Bastos, técnico da Célula, MSc. Luciana Ramos Cantalice e Bel. Tânia Lucia Nunes, bolsistas. Fone/Fax (83) 2101-1545 / E-mail celulaborborema@hotmail.com.

[ii] O Índice de Condições de Vida (ICV) é um indicador que visa representar as mudanças percebidas, em termos das condições de vida, das famílias nos territórios rurais. O ICV é composto por três dimensões, chamadas de “instâncias”: 1) fatores que favorecem o desenvolvimento; 2) características do desenvolvimento; e 3) efeitos do desenvolvimento. A cada instância associam-se oito indicadores. Cada indicador baseou a elaboração de um ou mais quesitos do questionário. Esses indicadores são avaliações registradas em escalas de cinco pontos, desde 1=péssimo até 5=ótimo em algumas variações. A base está nas respostas dos indivíduos levando em conta suas famílias. O que se busca é a percepção desses indivíduos ou famílias sobre as condições de vida nos Territórios Rurais. O ICV varia numa escala de zero a um, onde 0,00 - 0,20 = Baixo; 0,20 - 0,40 = Médio Baixo; 0,40 - 0,60 = Médio; 0,60 - 0,80 = Médio Alto; 0,80 - 1,00 = Alto.

[iii] Segundo o jornal Valor Econômico, “o Ministério da Fazenda permitirá o enquadramento de famílias ‘com um ou dois membros’ cujas atividades ‘não-agrícolas’ sejam exercidas fora do estabelecimento rural. Hoje, a lei prevê que a mão de obra empregada na propriedade seja ‘predominantemente’ da própria família. A medida para permitir a chamada ‘pluriatividade’ foi anunciada ontem, em audiência no Senado, pelo secretário-adjunto de Política Econômica da Fazenda, Gilson Bittencourt. A alteração fará parte da reforma do Manual de Crédito Rural (MCR), antecipada pelo Valor em meados de maio. O MCR está em vigor há quase meio século. A última revisão das normas ocorreu em 1980”. (Mauro Zanatta, Valor Econômico, 10/06/2011.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A caprinocultura e o desenvolvimento do Semiárido: uma proposta da UFCG

cabra foi o primeiro animal domesticado pelo Homem para produzir alimentos (leite e carne), há cerca de 9.500 anos no Oriente próximo, onde hoje se situam a Síria e a Palestina[1]. Desde então, a caprinocultura espalhou-se pelo Mundo, pois esses animais são dóceis e de fácil manejo, pouco exigentes qualitativa e quantitativamente em termos alimentares, além de serem extremamente adaptáveis a, praticamente, qualquer clima, altitude, latitude ou longitude terrestres.
Segundo dados da FAO, o rebanho caprino mundial tem cerca de 880 milhões de cabeças[2], com forte concentração nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento (mais de 90% do total). A China tem o maior efetivo, com mais de 152 milhões de cabeças, seguida pela Índia com 126 milhões e Bangladesh com 60 milhões. O Brasil é o 17º criador mundial, com um efetivo caprino de pouco mais de 9 milhões de cabeças, o que representa apenas 1% do total mundial (ver tabela). Considerando-se as dimensões territoriais do Brasil e as condições favoráveis para a criação de caprinos no país, é de se concluir que ainda há uma boa margem para a expansão da caprinocultura brasileira.


De fato, a criação de caprinos no Brasil tem oscilado bastante nos últimos 25 anos, configurando-se três períodos bem definidos, como se pode observar no gráfico: no primeiro período, entre 1974 e 1991, houve um aumento de 70% no efetivo caprino, que passou de 7 milhões para 12 milhões de cabeças em 17 anos; depois, houve um período de forte queda em apenas cinco anos (1992-1996), quando o número de cabeças praticamente retornou ao nível de 1974; e, finalmente, observa-se um novo período de crescimento do rebanho a partir de 1997, que atingiu seu ápice no ano de 2006, quando o efetivo passou de 10 milhões de cabeças, mas que recuou novamente para um rebanho de pouco mais de 9 milhões de animais em 2009, equiparando-se ao efetivo caprino do ano de 1983[3].


A caprinocultura no Brasil é uma atividade realizada majoritariamente por pequenos produtores, pois 68% do rebanho é criado em propriedades com até 100 hectares. Por outro lado, a criação de caprinos está fortemente concentrada na região Nordeste, que responde por 91% do rebanho nacional. No que tange à produção, sabe-se que 67% do leite de cabra é produzido por agricultores familiares, sendo que no Nordeste essa taxa chega a 73% do total[4].



Assim, em virtude das características adaptativas dos caprinos ao semiárido, do perfil socioeconômico dos criadores brasileiros e por ser uma atividade historicamente desenvolvida na região mais pobre do país, a caprinocultura vem sendo considerada como uma atividade estratégica para o desenvolvimento do Nordeste.
De fato, o potencial econômico da caprinocultura é imenso.
A carne se destaca por sua qualidade nutritiva em virtude dos baixos teores de colesterol, calorias e gorduras de cobertura e intramuscular, pelo seu sabor característico, maciez e suculência, e, quando processada adequadamente, em cortes especiais resfriados e congelados, pelo seu forte apelo mercadológico[5]. Além disso, a carne caprina é a pièce de résistance do cardápio local e desempenha um papel importante no contexto da gastronomia e do turismo, atividades fundamentais no quadro da “pluriatividade” que deve caracterizar o desenvolvimento sustentável do semiárido.
As peles de caprinos, que são um subproduto importante da pecuária de corte, podendo representar até 30% do valor comercial da carne[6], são valorizadas no mercado pela maior elasticidade, resistência e textura apresentadas, prestando-se, assim, para um maior número de produtos nas indústrias de vestuário e de calçados[7].
Mas o grande destaque são os laticínios. O leite de cabra tem 20% mais cálcio e até 30% menos colesterol que o leite de vaca, possuindo menor teor de açúcar e teores semelhantes de proteínas e vitaminas[8]. É mais digestivo, pois leva cerca de 40 minutos para ser absorvido, enquanto o leite bovino demora, em média, duas horas. Alcalino como o leite materno, ao contrário do leite de vaca que é ácido por natureza, é o substituto ideal do leite humano na lactação infantil, especialmente para os 6% de crianças alérgicas a lactose que existem no Mundo. O queijo, isso é um fato notório e sabido, é um alimento sofisticado e apreciado pelos melhores paladares, o que lhe confere altos índices de valor agregado quando processado segundo padrões rigorosos de qualidade, como na França e na Espanha, por exemplo.
Entretanto, quase a metade do leite de cabra produzido no Brasil, que é apenas o 15º produtor mundial, é para o autoconsumo das famílias produtoras, pois, em 2006, dos 35,7 milhões de litros produzidos, foram vendidos 19,7 milhões de litros (55%)[9]. Por outro lado, metade do leite de cabra vendido no país é adquirido pelos governos dos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte para uso em programas institucionais[10], como a merenda escolar.
Embora seja alentador saber que o leite de cabra, um produto de alta qualidade nutritiva, bastante superior ao leite de vaca, adquirido pelos governos a preços compensadores aos pequenos produtores locais, esteja sendo consumido pela população carente da região mais pobre do Brasil, não pode haver dúvida que, realmente, o potencial econômico da caprinocultura está subexplorado no país e no Nordeste, a maior região produtora, e que, portanto, esta atividade deve ser fomentada como uma estratégia para o desenvolvimento do semiárido.
Contudo, é preciso garantir a sustentabilidade dessa estratégia.
Em primeiro lugar, é necessário reduzir o impacto ambiental da atividade, pois se os caprinos são adaptados ao semiárido, a recíproca não é verdadeira. A pecuária extensiva no semiárido tem levado ao sobrepasto, especialmente nos períodos de estiagem, o que se constitui num dos principais fatores da desertificação, grave processo de degradação do solo em curso no semiárido brasileiro. Assim para que a atividade seja ampliada, é necessário, antes de mais nada, difundir a cultura do semiconfinamento articulada ao desenvolvimento do manejo da forragem através de tecnologias bastante simples, como a fenação e a silagem, por exemplo. Além de reduzir o impacto ambiental, estas medidas ampliam a sustentabilidade econômica da atividade ao garantir a alimentação para os animas durante todo o ano, evitando que o criador seja obrigado a vender suas cabeças bem abaixo do preço de mercado durante os períodos de seca, quando as dificuldades para a nutrição dos animais são enormes.
Também é necessário investir no melhoramento genético das raças, na assistência técnica aos produtores, no cooperativismo, no desenvolvimento da agroindústria e no próprio marketing dos produtos.
Como fazer isso? Com Ciência & Tecnologia, extensão rural, mobilização social, empreendedorismo e políticas públicas.
Desenvolvendo suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, a UFCG tem contribuído muito para esse processo e foi com essa filosofia prática que o Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA) foi criado e vem agindo. Por exemplo, mesmo antes de sua instalação, o Projeto Universidade Camponesa (UNICAMPO), gérmen do Campus de Sumé, desenvolveu e difundiu a técnica da silagem entre os assentados da reforma agrária na região, projeto-piloto que teve grande repercussão em todo o Cariri e foi matéria do Programa Globo Universidade (veja o vídeo), levando o Fórum do Território da Cidadania e as prefeituras da microrregião a adotá-la como tecnologia prioritária para o fomento da caprinocultura. Hoje todos os municípios possuem pelo menos uma ensiladeira ou forrageira à disposição dos criadores, adquirida com recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário a partir de decisão coletiva do Fórum Territorial.
Para aprofundar essa política de mobilização social produtiva e o desenvolvimento e difusão de Ciência & Tecnologia a serviço da agropecuária e da agroindústria sustentável no semiárido, o CDSA está propondo a criação do Núcleo de Produção Agropecuária (NUPAGRO), projeto em pauta na próxima reunião do Colegiado Pleno do Conselho Universitário da UFCG (leia o projeto e a minuta do regimento).
A equipe do NUPAGRO[11] está elaborando o plano de negócios do Núcleo e o projeto executivo do parque agroindustrial modelo a ele associado, mas já firmou uma parceria com a Associação dos Produtores Agroecológicos de Sumé, apóia e dá assistência técnica a associações e cooperativas de agricultores familiares com vistas à sua inserção no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) no território do Cariri, além de apoiar o desenvolvimento, em parceria com o Projeto Universidade Camponesa e a Prefeitura de Sumé, de 23 microprojetos produtivos financiados pelo MDA/Fórum do Cariri implantados em propriedades familiares de ex-alunos do Curso de Extensão “Formação de agentes de desenvolvimento” (MDA/CNPq/UNICAMPO) de 17 municípios do Cariri.
O NUPAGRO já vem mobilizando professores, estudantes e servidores técnico-administrativos do CDSA, que terão um ambiente vivo para o desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão, alguns deles já em curso, como: melhoramento animal e vegetal (Curso de Engenharia em Biotecnologia e Bioprocessos), nutrição animal e energias alternativas (Curso de Engenharia de Biossistemas), conservação de solos, manejo ambiental sustentável e agricultura orgânica (Curso Superior Tecnológico de Agroecologia), desenvolvimento de produtos e processos agroindustriais (Curso de Engenharia de Produção), cooperativismo, administração rural e gestão de projetos produtivos (Curso Superior Tecnológico de Gestão Pública), entre outros.
O NUPAGRO também já vem sensibilizando pessoas e instituições dentro e fora da UFCG, a exemplo do PEASA, Fundação Parque Tecnológico da Paraíba, Instituto Nacional do Semiárido (INSA), SEBRAE, EMBRAPA Caprinos e Ovinos, Secretaria de Agricultura Familiar da Paraíba e a Embaixada da Espanha no Brasil, que já alinhavaram conosco uma parceria para a instalação de um Laticínio Escola no NUPAGRO. Já no próximo semestre, mestres queijeiros espanhóis virão ao campus ensinar aos camponeses caririzeiros como fazer os excelentes queijos de leite de cabra da Espanha.
Este será apenas o primeiro passo para a realização da grande vocação do NUPAGRO: ser um parque agroindustrial modelo no campus da UFCG em Sumé, que agirá como uma espécie de “catalisador” para o desenvolvimento sustentável do Cariri paraibano, com sua fazenda experimental, laboratórios, plantas semi-industriais, empresas júniores e a incubadora mobilizando professores, estudantes, servidores, produtores familiares e empreendedores em torno da construção de um projeto de desenvolvimento inovador, sustentável e socialmente justo para o semiárido brasileiro.


[1] MAZOYER, Marcel & ROUDART, Laurence. História das agriculturas no mundo do Neolítico à crise contemporânea. São Paulo, Editora UNESP; Brasília, NEAD, 2010, p. 103.
[2] http://faostat.fao.org. Acesso em 23/05/2011.
[3] IBGE, Pesquisa Agropecuária Municipal.
[4] IBGE, Censo Agropecuário, 2006.
[5] GUIMARÃES FILHO, Clóvis & HOLANDA JR., Evandro V.: “A caprinocultura com alternativa de uso sustentado dos recursos do semi-árido: proposições para o desenvolvimento integrado da zona caprinícola do semi-árido baiano”. Trabalho apresentado no Seminário Internacional Sociedades e Territórios no Semi-Árido Brasileiro: em busca da sustentabilidade. Campina Grande, UFCG, dezembro de 2002.
[6] MEDEIROS, A. N. Caprinocultura de corte no Nordeste brasileiro. http://www.capritec.com.br/.
[7] CARVALHO, Rubênio Borges de. Potencialidades dos Mercados para os Produtos Derivados de Caprinos e Ovinos. http://www.capritec.com.br/.
[8] ALVES, Francisco Selmo Fernandes: “O leite de cabra é tão nutritivo quanto os leites de vaca e materno?”, Revista Ciência Hoje, vol. 32, nº 189, dezembro de 2002.
[9] IBGE, Censo Agropecuário, 2006.
[10] CORDEIRO, Paulo Roberto Celles Cordeiro & CORDEIRO, Ana Gabriela Pombo Celles. A Produção de leite de cabra no Brasil e seu mercado. X Encontro de Caprinocultores do Sul de Minas e Média Mogiana. Espírito Santo do Pinhal, Maio 2009.
[11]Profa. Ana Cristina Chacon Lisboa (Zootecnista) - Coordenadora, Prof. Edvaldo Eloy Dantas Junior (Engenheiro Agrícola) – Coordenador adjunto, Profa. Adriana Meira Vital (Engenheira Florestal) – Coordenadora de Produção Vegetal, Prof. Jean César Farias de Queiroz (Dr. em Biotecnologia) – Coordenador de Biotecnologia, Prof. Francisco Kegenaldo Alves de Sousa (Engenheiro de Produção), Valdir José Costa Padilha (Técnico Agrícola), Carla Mailde Feitosa Santa Cruz (Técnica em Agroindústria), Osiran Felício de Lima (Administrador), Gerente Administrativo.