Até bem
recentemente, o Brasil adotava uma estratégia de desenvolvimento rural voltada
quase exclusivamente para o fomento da agropecuária empresarial, tendo como
meta principal a maximização da produtividade nesse setor. Embora tenha
apresentado resultados importantes, como o significativo aumento da produção
agropecuária nacional e sua influência decisiva nos superávits da balança
comercial nos últimos anos, essa estratégia resultou praticamente inócua no que
se refere à solução dos problemas sociais que caracterizam o meio rural
brasileiro, particularmente a concentração fundiária e a falta de emprego e
renda que expulsam o trabalhador do campo e deixam sem perspectiva de futuro os
milhares de jovens camponeses de cuja “opção de ficar” na terra natal depende,
realmente, a continuidade e o futuro da unidade produtiva familiar. Por isso,
essa estratégia foi batizada de modernização conservadora.
Os dilemas sociais,
econômicos e ecológicos da modernização conservadora há muito têm sido
denunciados no debate sobre o desenvolvimento rural brasileiro, discussão que
se intensificou com a emergência dos movimentos sociais e das organizações da
sociedade civil no Brasil após o fim do regime militar. Esse debate levou a
pelo menos um consenso entre estudiosos, atores sociais e governo: a
importância crucial da chamada agricultura
familiar camponesa para o desenvolvimento rural, especialmente em virtude
do seu extraordinário potencial na geração e manutenção de emprego e renda no
campo, o que confere a ela um papel estratégico no contexto da região semiárida
nordestina, onde é amplamente majoritária.
O reconhecimento da
agricultura familiar foi um passo muito importante no quadro do desenvolvimento
rural brasileiro, principalmente porque levou à criação de políticas públicas
específicas voltadas para ela, cujo alcance, aliás, teve um crescimento
exponencial a partir do Governo Lula, como se pode verificar na evolução do
Plano Safra da Agricultura Familiar, que cresceu 572% em relação ao Governo FHC,
saindo de um total de R$ 2,4 bilhões (safra 2002/2003) para R$ 16
bilhões (safra 2010/2011), o que
permitiu que o número de contratos avançasse de 890 mil para mais de 2
milhões/ano safra.
Entretanto,
verifica-se que muitos produtores familiares não conseguem acessar esses
recursos por falta de informações, conhecimentos e assistência técnica. Além do
mais, há grandes dificuldades em se desenvolver novas tecnologias e analisar e
difundir as muitas experiências bem sucedidas de desenvolvimento promovidas
pelos movimentos sociais e organizações civis da região, pois as instituições
públicas, como as universidades e os institutos de pesquisa, mantêm-se
distantes da população. Isso acaba por dificultar a interação que deveria
ocorrer entre a comunidade técnico-científica e a população rural, o que
promoveria uma importante troca de práticas e conhecimentos na construção de
estratégias realmente sustentáveis para o desenvolvimento local.
Assim, é preciso
construir um novo paradigma de desenvolvimento para o semiárido brasileiro por
intermédio de processos de inovação tecnológica adequados, difusão e crítica da
produção técnico-científica, massificação da informação sobre as políticas
públicas e as ações devotadas ao fomento da agricultura familiar no Bioma
Caatinga e por meio do debate sobre processos produtivos, de gestão e
organização social apropriados às suas peculiaridades culturais, sociais,
políticas, econômicas e ambientais. Três princípios básicos fundamentam essa
construção.
Em primeiro lugar, o
fomento de um modelo de desenvolvimento baseado nos preceitos da sustentabilidade,
isto é, uma estratégia para a promoção da melhoria de vida das populações
atuais pautada pela reflexão sobre as gerações futuras, em que estão
concatenados desenvolvimento econômico, desenvolvimento humano e responsabilidade
ambiental.
Articulado a isso, a
sociedade precisa entender que os camponeses são portadores de uma identidade
cultural e de uma ética próprias associadas a um modo de vida não capitalista que,
embora pressionadas por um sistema econômico cuja hegemonia pontua para a
maximização do lucro, a ampliação do consumo e a mercantilização da terra e do
trabalho, reitera suas particularidades e se reinventa cotidianamente,
interagindo positivamente com a modernidade. Assim, é necessário oferecer a
esses sujeitos sociais elementos para o resgate de sua identidade cultural e expertise técnica tradicional como uma
estratégia para desenvolver a auto-estima e autodeterminação necessárias para
que eles, preservando seu ethos,
possam manter relações mais positivas com o sistema econômico hegemônico.
Finalmente, é
imprescindível que se invista na implementação de um modelo produtivo adequado
ao modo de vida desses camponeses, ao território que eles habitam e às
necessidades impostas pelo sistema econômico. É um modelo “pluriativo” que
privilegia o trabalho e sua remuneração e que se adapta aos fatores naturais,
biológicos e meteorológicos. Isto é, um modelo que respeita os produtores, os
consumidores e a natureza num projeto social renovado. É um modelo que propõe
uma agricultura com baixo consumo de insumos comerciais e alto investimento em
trabalho e em tecnologias apropriadas, capaz de manter um nível de emprego
rural elevado e assim evitar o crescimento dos desequilíbrios territoriais e
sociais ligados à forte urbanização. Dessa forma, ela pode ser competitiva
economicamente e mais justa socialmente, pois concorre, por um lado, para a segurança
alimentar das populações rurais através do autoconsumo, e também das populações
das cidades através da venda de excedentes.
Foi este o principal
objetivo da criação da Universidade Camponesa em 2003 no Cariri Paraibano e
hoje constitui a base e a motivação do projeto acadêmico do Centro de
Desenvolvimento Sustentável do Semiárido, campus
de Sumé da UFCG.
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