quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Um Novo Paradigma para o Desenvolvimento Sustentável do Semiárido


Até bem recentemente, o Brasil adotava uma estratégia de desenvolvimento rural voltada quase exclusivamente para o fomento da agropecuária empresarial, tendo como meta principal a maximização da produtividade nesse setor. Embora tenha apresentado resultados importantes, como o significativo aumento da produção agropecuária nacional e sua influência decisiva nos superávits da balança comercial nos últimos anos, essa estratégia resultou praticamente inócua no que se refere à solução dos problemas sociais que caracterizam o meio rural brasileiro, particularmente a concentração fundiária e a falta de emprego e renda que expulsam o trabalhador do campo e deixam sem perspectiva de futuro os milhares de jovens camponeses de cuja “opção de ficar” na terra natal depende, realmente, a continuidade e o futuro da unidade produtiva familiar. Por isso, essa estratégia foi batizada de modernização conservadora.

Os dilemas sociais, econômicos e ecológicos da modernização conservadora há muito têm sido denunciados no debate sobre o desenvolvimento rural brasileiro, discussão que se intensificou com a emergência dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil no Brasil após o fim do regime militar. Esse debate levou a pelo menos um consenso entre estudiosos, atores sociais e governo: a importância crucial da chamada agricultura familiar camponesa para o desenvolvimento rural, especialmente em virtude do seu extraordinário potencial na geração e manutenção de emprego e renda no campo, o que confere a ela um papel estratégico no contexto da região semiárida nordestina, onde é amplamente majoritária.

O reconhecimento da agricultura familiar foi um passo muito importante no quadro do desenvolvimento rural brasileiro, principalmente porque levou à criação de políticas públicas específicas voltadas para ela, cujo alcance, aliás, teve um crescimento exponencial a partir do Governo Lula, como se pode verificar na evolução do Plano Safra da Agricultura Familiar, que cresceu 572% em relação ao Governo FHC, saindo de um total de R$ 2,4 bilhões (safra 2002/2003) para R$ 16 bilhões (safra 2010/2011), o que permitiu que o número de contratos avançasse de 890 mil para mais de 2 milhões/ano safra.

Entretanto, verifica-se que muitos produtores familiares não conseguem acessar esses recursos por falta de informações, conhecimentos e assistência técnica. Além do mais, há grandes dificuldades em se desenvolver novas tecnologias e analisar e difundir as muitas experiências bem sucedidas de desenvolvimento promovidas pelos movimentos sociais e organizações civis da região, pois as instituições públicas, como as universidades e os institutos de pesquisa, mantêm-se distantes da população. Isso acaba por dificultar a interação que deveria ocorrer entre a comunidade técnico-científica e a população rural, o que promoveria uma importante troca de práticas e conhecimentos na construção de estratégias realmente sustentáveis para o desenvolvimento local.

Assim, é preciso construir um novo paradigma de desenvolvimento para o semiárido brasileiro por intermédio de processos de inovação tecnológica adequados, difusão e crítica da produção técnico-científica, massificação da informação sobre as políticas públicas e as ações devotadas ao fomento da agricultura familiar no Bioma Caatinga e por meio do debate sobre processos produtivos, de gestão e organização social apropriados às suas peculiaridades culturais, sociais, políticas, econômicas e ambientais. Três princípios básicos fundamentam essa construção.

Em primeiro lugar, o fomento de um modelo de desenvolvimento baseado nos preceitos da sustentabilidade, isto é, uma estratégia para a promoção da melhoria de vida das populações atuais pautada pela reflexão sobre as gerações futuras, em que estão concatenados desenvolvimento econômico, desenvolvimento humano e responsabilidade ambiental.

Articulado a isso, a sociedade precisa entender que os camponeses são portadores de uma identidade cultural e de uma ética próprias associadas a um modo de vida não capitalista que, embora pressionadas por um sistema econômico cuja hegemonia pontua para a maximização do lucro, a ampliação do consumo e a mercantilização da terra e do trabalho, reitera suas particularidades e se reinventa cotidianamente, interagindo positivamente com a modernidade. Assim, é necessário oferecer a esses sujeitos sociais elementos para o resgate de sua identidade cultural e expertise técnica tradicional como uma estratégia para desenvolver a auto-estima e autodeterminação necessárias para que eles, preservando seu ethos, possam manter relações mais positivas com o sistema econômico hegemônico.

Finalmente, é imprescindível que se invista na implementação de um modelo produtivo adequado ao modo de vida desses camponeses, ao território que eles habitam e às necessidades impostas pelo sistema econômico. É um modelo “pluriativo” que privilegia o trabalho e sua remuneração e que se adapta aos fatores naturais, biológicos e meteorológicos. Isto é, um modelo que respeita os produtores, os consumidores e a natureza num projeto social renovado. É um modelo que propõe uma agricultura com baixo consumo de insumos comerciais e alto investimento em trabalho e em tecnologias apropriadas, capaz de manter um nível de emprego rural elevado e assim evitar o crescimento dos desequilíbrios territoriais e sociais ligados à forte urbanização. Dessa forma, ela pode ser competitiva economicamente e mais justa socialmente, pois concorre, por um lado, para a segurança alimentar das populações rurais através do autoconsumo, e também das populações das cidades através da venda de excedentes.

Foi este o principal objetivo da criação da Universidade Camponesa em 2003 no Cariri Paraibano e hoje constitui a base e a motivação do projeto acadêmico do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido, campus de Sumé da UFCG.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Dirigentes da UFCG são homenageados com Título de Cidadania em Sumé


"Uma conquista coletiva, promovida por homens, idéias e ações, num tempo certo”. Assim sintetizou o reitor Thompson Mariz ao falar sobre as razões que o levaram a ser agraciado com o título de cidadão sumeense, na noite da última sexta-feira, 16. 

Referindo-se às inúmeras manifestações promovidas pela população da região “ecoadas no Grito do Cariri”, mobilização símbolo da conquista de um campus da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) na cidade de Sumé, Mariz dividiu a honraria com seus, agora, concidadãos.

Ao agradecer à população, o reitor da UFCG disse continuar trabalhando pela disseminação da educação superior no estado, pois “é uma das principais ferramentas de transformação e de cidadania para as microrregiões”.




 
O diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiário (CDSA), campus da UFCG em Sumé, Márcio Caniello, discorreu sobre o destino, traçado pelas circunstâncias e emoções, que também o levou a receber o título de cidadão sumeense.

“Das decisões, circunstâncias, racionalidade ou emoções o destino se faz, na ação do homem. Esse momento, essa acolhida como cidadão dessa terra, é consequência muito mais da emoção que faz brotar coisas boas”, ressaltou, afirmando que a paixão pela cidade foi à primeira vista - quando trabalhava numa pesquisa científica.

E ilustrando seu discurso com trecho de uma crônica do jornalista Irineu Joffily (Gazeta do Sertão, 1888), Caniello também fez uma rápida leitura do homem e seu tempo, das pontes que a educação ergue para o desenvolvimento social e humano.  

Além do reitor e do diretor do CDSA, também foram agraciados com a cidadania sumeense o superintendente estadual da Funasa, Bruno Gaudêncio, o pároco de Sumé, padre Haroldo Andrade, o ex-prefeito de Gurjão, José Carlos Vidal, e o engenheiro Eronaldo Pereira dos Santos.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

“Viva São João!", ou o espírito rural do Brasil


Nos últimos anos, desenvolve-se um importante debate no meio acadêmico brasileiro sobre a “ruralidade” do Brasil atual, uma vez que as estatísticas oficiais têm demonstrado, censo a censo, que houve um forte processo de urbanização do país na segunda metade do Século XX, pois a população rural brasileira despencou de 55%, em 1960, para apenas 15% em 2010, de acordo com o IBGE.
Embora os números sejam eloquentes e reflitam um processo demográfico real, uma importante corrente de cientistas sociais brasileiros os consideram superdimensionados, em função da matriz conceitual e política que os envolve. Em artigo que sumariza os argumentos dessa corrente crítica, a professora Maria de Nazareth Wanderley ressalta, fundamentalmente, que a definição do recorte rural/urbano é uma atribuição dos municípios, que têm interesse em superdimensionar a área urbana, uma vez que o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966) estabelece que os impostos municipais são arrecadados na zona urbana e os federais nas áreas rurais. Assim, “a extensão exagerada das zonas urbanas é um artifício para o incremento das receitas locais” (Wanderley, 2009).
Acrescenta Wanderley que dois dispositivos jurídicos favorecem essa manobra, ambos especificados no artigo 32 do CTN. O parágrafo 1º “associa a condição urbana à existência de melhoramentos, mas admite que para ser considerada urbana, basta a uma zona dispor de pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistemas de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado”. Por outro lado, o parágrafo 2º flexibiliza ainda mais a definição ao prever que “a lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior” (Wanderley, 2009).
Esses critérios definidos há 45 anos no CTN estão, evidentemente, desatualizados, não refletem a realidade atual do campo no Brasil e, portanto, as legislações municipais que fundamentam a matriz estatística do IBGE alimentam, nas palavras de José Eli da Veiga, a “ficção oficial” de que o Brasil é mais urbano do que realmente é (Veiga, 2002). De fato, segundo o Censo de 2010, 70% dos municípios brasileiros têm até 20.000 habitantes: em que medida podemos realmente considerá-los “urbanos”?
Neste post quero expressar um argumento em favor das teses esposadas por Veiga e Wanderley sobre a ruralidade do Brasil. E aqui não falarei como o economista ou a socióloga, mas como antropólogo que sou, procurarei demonstrar que as festas juninas, um verdadeiro patrimônio histórico da cultura brasileira, explicitam o quão rural é nosso “espírito nacional” e, portanto, a sociedade brasileira. Sigo aqui uma premissa básica da ciência que procuro professar e que me foi incutida pelo meu Mestre, Roberto DaMatta: é através de suas festas que um povo expressa sua real identidade, isto é, sua essência existencial, recôndita no fundo da alma por mecanismos racionais que muitas vezes a ocultam por razões diversas, inclusive a vergonha.
As festas nacionais, como o carnaval magistralmente interpretado por DaMatta no livro Carnavais, malandros e heróis (1978), são “dramas metafóricos” cíclicos, realizados fora do cotidiano das pessoas, num período demarcado, em que elas podem “se soltar”, vivenciando por algumas horas ou dias facetas de sua personalidade social – ou do que denomino, apoiando-me em Hegel, de “espírito nacional” (Caniello, 2001) - que não explicitam no dia-a-dia, porque ali desempenham outros papéis, relacionados com o mundo do trabalho e com os imperativos do status social e econômico que dominam e circunscrevem o indivíduo na sociedade ocidental.
Assim ocorre com nossa identidade rural, que começou a ser “deteriorada” simbolicamente na medida em que os valores do industrialismo e da urbanização passaram a dominar ideologia de progresso que o Brasil passou a adotar a partir da Revolução de 30. A triste imagem do Jeca Tatu, estereótipo do “caipira”, “matuto” ou “tabaréu” oferecido à cultura brasileira por Monteiro Lobato em 1918 com a publicação de Urupês, constitui-se num arquétipo negativo da ruralidade, hoje impresso fundamente na alma nacional. Assim, renegamos nossa ruralidade como se ela fosse um símbolo do atraso que conseguimos superar com o “progresso” resultante da industrialização e da urbanização, não importa a que custo, nesse processo batizado, com rara felicidade, por Alberto Passos Guimarães, como “modernização conservadora”.
Mas, nas festas juninas, rurais por sua natureza intrínseca, esquecemos isso tudo e nos transmutamos. Não há criança ou adulto no Brasil - a exceção, evidentemente, dos próprios habitantes da zona rural - que não tenha pelo menos uma vez na vida se fantasiado de “caipira”, como se diz no centro-sul do país, ou de “matuto”, como se diz no Norte e no Nordeste, para participar de um evento alegre, luminoso e extremamente gregário, que nossa memória não esquece jamais.
Os dias de Santo Antônio (13/06), São João (24/06) e São Pedro (29/06) são festejados efusivamente nos quatro cantos do país, da mesma maneira nas cidades e no campo, com o cardápio típico, a fogueira, as bandeirinhas, os balões, os fogos, o mastro, a quermesse, a quadrilha e o boi... É bem verdade que as festas juninas apresentam ricas variações regionais que expressam a dimensão continental do país e a formação sincrética do povo brasileiro, mas sua “regularidade sociológica estrutural”, como diria Lévi-Strauss, as fixam como um verdadeiro ritual nacional. Aliás, arrisco-me a dizer, cutucando filialmente o Mestre DaMatta, que nós, brasileiros, somos mais juninos do que carnavalescos - portanto mais rurais do que urbanos - pois enquanto o carnaval é um evento realizado apenas nas cidades, as festas juninas, rurais em sua natureza, são realizadas, indiscriminadamente, nas cidades e no campo, em todas as regiões do país.
As festas juninas são a principal festividade dos habitantes da zona rural do Brasil e um “drama metafórico da ruralidade” para os brasileiros das cidades. Nós as realizamos todos os anos para lembrarmos, ardentemente, quão rural é o nosso espírito nacional.
Viva São João!!! Viva o Povo Brasileiro!!! Viva o Brasil Rural!!!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Ministério do Desenvolvimento Agrário convida UFCG para elaborar projeto

Por Marinilson Braga - Ascom/UFCG




Secretário Jerônimo Rodrigues pede plano de capacitação para o Programa Territórios da Cidadania


“Vivemos um momento de extrema exigência de inteligência, com um conjunto de ações que precisamos aperfeiçoar”, declarou o secretário de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA), Jerônimo Rodrigues, em reunião com o Colegiado Territorial da Borborema na noite dessa quinta-feira, 17, no campus da UFCG em Campina Grande.

Para ele, a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), com o seu Know-how, tem muito a oferecer no pensar e no fazer do Programa Territórios da Cidadania, apresentando ideias e promovendo ações que repercutam propositivamente como um novo salto na estratégia de desenvolvimento territorial sustentável.

O secretário, ao traduzir o estágio atual do programa, revelou a necessidade de ampliar horizontes para a captação de recursos e, consequentemente, tornar mais eficiente sua aplicação no combate à pobreza e desigualdades sócias no meio rural.

“Precisamos dar impulso a um mutirão de intelectualidade. Começando aqui, com a UFCG formatando um projeto”, desafiou Rodrigues, convocando o coordenador da Célula de Acompanhamento e Informação do Território da Borborema, professor Márcio Caniello, a pensar e arquitetar tal proposta.

O desafio

Para evitar a perda de recursos e a redução de programas, necessário que se qualifique a gestão e haja uma logística financeira, defende o secretário, assim, nos próximos quatro anos – já na elaboração do Plano Plurianual (PPA 2011-20115) consiga-se ampliar o volume de recursos destinados ao MDA.

A expectativa é de que no núcleo da Borborema, pelo pionerismo do projeto Universidade Camponesa da UFCG, as respostas e provocações brotem e projetem um novo momento: o da capacitação. “Começando na Paraíba, em Campina Grande, um plano de habilitação que aprimore as coordenações e auxilie os colegiados, principalmente do Norte e Nordeste, na elaboração e gestão de projetos”, ressaltou.

A resposta

A UFCG está a serviço do país, na busca constante de respostas para as problemáticas sociais, seja interagindo, gerando ou gerindo processos, respondeu Caniello. “Entre tantas contribuições, a universidade tem atuado. Criando bases e fortalecendo plataformas, temos promovido o capital social”.

“Cursos de extensão voltados à gestão pública e a criação de uma rede de ensino a distância são ferramentas que a universidade pode explorar para a capacitação e qualificação dos atores sociais”, expôs.

O pesquisador também fez uma breve reflexão sobre um de seus trabalhos acadêmicos que - segundo o secretário - será instrumento de debate em reunião de equipe na Secretária como pauta de reflexão, nos pontos da “eficiência, da eficácia e da efetividade”.

Mobilização

O encontro também debateu pontos estratégicos para a operacionalização de movimentos com atores sociais, rurais, como artesãos, mulheres e jovens que, balizados por um projeto de comunicação, consigam despertar a população rural de baixa renda para uma maior integração ao programa e sensibilize o país, em especial a classe política, para a ampliação de projetos direcionados ao desenvolvimento sustentável.

Publicado no Portal da UFCG