quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, seja bem-vindo!!


Fiquei muito emocionado ao participar da posse do Ministro Paulo Teixeira no recriado Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDAF), nesta terça-feira, 03/01. Isso porque a Pasta tem um histórico tardio e tortuoso, pois se dedica aos "grupos subalternos" da economia rural brasileira, no sentido gramschiano do termo. Isto é, um Ministério dedicado aos camponeses, agricultores familiares, proletariado do campo, trabalhadores rurais sem terra e pequenos produtores tradicionais (índios, quilombolas, etc.),  povos pauperizados e historicamente alijados do acesso a serviços e políticas públicas, os quais, paradoxalmente, são os responsáveis pela segurança alimentar da Humanidade.

Ora, enquanto o Ministério da Agricultura, dedicado ao "agronegócio" produtor de commodities, tem a sua origem em 1860 com a criação da "Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas" por Dom Pedro II, o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD) seria criado, tão somente, em 1985, ou seja, 125 anos depois (!!), pelo presidente José Sarney, que, entretanto, o extinguiria após apenas três anos de funcionamento, no início de 1989. Depois, foi preciso ocorrer o terrível massacre de Eldorado do Carajás, em 1996, para que o presidente Fernando Henrique Cardoso nomeasse um "ministro de Estado Extraordinário de Política Fundiária", mas, FHC institucionalizaria o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) somente em janeiro de 2.000, no seu segundo mandato.

Nos governos Lula e Dilma, o MDA se consolidou fortemente e tornou-se um importante instrumento de desenvolvimento para a Agricultura Familiar no Brasil. Primeiro, Lula criou o Plano Safra da Agricultura Familiar logo no início do seu governo, cujo orçamento evoluiu de R$ 4,2 bilhões na safra 2002-2003 para R$ 24,1 bilhões em 2014-2015, um extraordinário aumento de 474%. O PRONAF, criado por FHC em 1995, “carro-chefe” do Plano Safra da AF, teve R$ 18 bilhões disponíveis para as linhas de custeio, investimento e comercialização na safra 2013-2014, um avanço de mais de 300% em relação ao primeiro ano do Plano Safra da AF.

Criado em 2008, o Programa Mais Alimentos – uma das linhas de crédito do PRONAF diretamente associada às políticas de combate à fome e redução da miséria – financiou cerca de R$ 15,5 bilhões, beneficiando mais de 400 mil famílias da agricultura familiar em todo o Brasil. 

No que tange ao Garantia-Safra, instituído em 2002 visando garantir renda mínima às famílias com perdas devido à falta de chuva, em dez anos, o seguro pagou R$ 2,6 bilhões, realizando mais de 2,9 milhões de transferências a famílias de agricultores familiares do Semiárido brasileiro. O Seguro da Agricultura Familiar (SEAF) surgiu dois anos depois e, em oito anos, investiu R$ 2,7 bilhões. Foram realizados cerca de 4,5 milhões de contratos, que beneficiaram mais de 500 mil agricultores. Na safra 2012/2013, Garantia-Safra e SEAF somados disponibilizaram quase R$ 900 milhões

É de se ressaltar, ainda, que os investimentos em assistência técnica e extensão rural (ATER) foram os que mais cresceram nos primeiros dez anos de existência do Plano Safra da Agricultura Familiar, pois no seu primeiro ano foram destinados R$ 46 milhões, enquanto a safra 2012/2013 disponibilizou R$ 540 milhões para o setor, um aumento de mais de 1.000%. 

Ademais, os Governos Lula e Dilma foram inovadores e extremamente benfazejos à Agricultura Familiar ao criarem programas focados nas chamadas “compras governamentais”, uma política pública importante, pois articulam o estímulo à produção familiar e a segurança alimentar da população, especialmente os beneficiários das estratégias de desenvolvimento rural e de combate à fome e à miséria nos países em desenvolvimento, inclusive no Brasil (saiba mais). 

Nesse sentido, o Governo Lula criou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – que adquiria alimentos da Agricultura Familiar para distribuição entre entidades filantrópicas, organizações não governamentais dedicadas ao combate à fome e à miséria, hospitais, etc. – e inovou o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) ao determinar que no mínimo 30% do valor repassado pelo Governo Federal para a merenda escolar deve ser utilizado na compra de gêneros alimentícios da Agricultura Familiar. 

Entre 2003 – seu ano de lançamento – até 2016, quando começou a ser desarticulado em decorrência do golpe contra a Presidenta Dilma – o PAA beneficiou mais de 400 mil agricultores e foram adquiridas mais de 4 milhões de toneladas de alimentos de pequenos produtores. Em julho de 2010, a CONAB chegou a ter mais de 5,5 milhões de toneladas de milho armazenadas (veja aqui). No seu primeiro ano, o PAA recebeu um aporte de R$ 164,6 milhões, contra R$ 1,2 bilhão na safra 2012-2013, o que representa um aumento de recursos na ordem de 630%.

Cumpre mencionar, finalmente, a implementação do Programa Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT), uma outra política pública muito importante, a qual já analisamos em vários trabalhos. No período de 2003 a 2015, o MDA repassou R$ 3,3 bilhões em recursos do Tesouro Nacional, a fundo perdido, para os Territórios Rurais e Territórios da Cidadania através do Programa Ação de Apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços em Territórios Rurais (PROINF), que financiou 8.141 projetos produtivos nas diversas regiões do país, sendo que o maior volume de recursos foi destinado ao Nordeste, um montante de R$ 755 milhões (38% do total), ou R$ 1,1 bilhão em valores atualizados. No Nordeste foram construídos 361 centros de comercialização, 94 agroindústrias, 69 casas de mel, 58 Escolas Famílias Agrícolas, 45 abatedouros, 35 casas de farinha, entre outros inúmeros projetos, e ainda foram promovidos 276 cursos de capacitação com recursos do PROINF/PRONAT.

Em consequência das políticas públicas implementadas pelos Governos Lula e Dilma para os povos do campo, na denominada "década da inclusão", na qual todos os indicadores sociais evoluíram extraordinariamente no Brasil, "a renda cresceu mais nas áreas rurais pobres, 85,5%, contra 40,5% nas metrópoles e 57,5% nas demais cidades" (Neri e Souza, 2012) e “mais de 3,7 milhões de pessoas das áreas rurais entraram na classe média” (FAO/IFAD/WFP, 2014).

Esse conjunto de políticas públicas para os povos do campo foi interrompido pelo governo golpista de Michel Temer e sepultado pelo governo fascista de Jair Bolsonaro, que promoveram um amplo processo de desmonte das políticas públicas inclusivas e progressistas implementadas pelos governos do PT. No âmbito do desenvolvimento rural, tudo começou pela a extinção do MDA, uma das primeiras medidas de Michel Temer, tomada ainda no decorrer do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff.

Agora, o MDAF renasce mais uma vez com um programa de ação ambicioso, conforme proposto no Relatório Final do Grupo Técnico de Desenvolvimento Agrário do Gabinete de Transição, com as seguintes ações principais:

  • Ampliação da disponibilidade de alimentos a baixo custo para a população por meio do fomento à produção da AF;
  • Retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e constituição da Política Nacional de Abastecimento, através da CONAB, agora na estrutura do MDAF;
  • Recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), aliás já publicada no Diário Oficial de 01/01/2023;
  • Retomada do Plano Safra da Agricultura Familiar, com a reformulação do PRONAF e do seguro rural;
  • Retomada da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural por meio da criação do Sistema Nacional de ATER, sob a coordenação da Agência Nacional de ATER (ANATER), que terá seu papel institucional e funcional redefinido;
  • Implementação da transição agroecológica como princípio articulador de ações e políticas em todas as áreas do Ministério, incidindo na produção de alimentos saudáveis com base em manejos sustentáveis;
  • Resgate do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, o PRONARA;
  • Instituição do novo Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), com ênfase na retomada da obtenção de terras, execução do crédito instalação e desenvolvimento dos assentamentos. 
  • Reestruturação do INCRA, pois as mudanças realizadas pelo governo Bolsonaro descaracterizaram o papel da autarquia na reforma agrária. O novo INCRA também deverá agilizar os processos de reconhecimento territorial, demarcação e titulação dos territórios quilombolas, bem como na mediação dos conflitos agrários e ambientais e pelo fim da violência no campo.
Infelizmente, a estratégia territorial de desenvolvimento rural está praticamente ausente no novo Ministério, o que precisa ser revisto, principalmente em virtude do "capital social" acumulado nos Colegiados Territoriais, hoje adormecido em decorrência do esvaziamento provocado pela asfixia que lhes impôs os governos Temer e Bolsonaro. O MDAF não pode prescindir dos homens e mulheres que se dedicaram à "gestão social" nos Territórios Rurais durante 13 anos, uma força ativa ainda muito viva e fundamental neste novo tempo de esperança para os povos do campo do Brasil.

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