sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Paraíba: um estado rural e suas contradições


O último censo demográfico realizado no Brasil, em 2010, apurou que 24,6% da população paraibana é domiciliada na zona rural, mas essa estatística é sabidamente subestimada, como aliás ocorre em todo o país [1], constatação que se tornou consensual no meio acadêmico brasileiro desde a publicação, em 2002, do já clássico “Cidades Imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula”, de José Eli da Veiga.

Com efeito, 40% da população paraibana está concentrada em apenas seis municípios, quatro deles situados na região metropolitana da capital (João Pessoa, Bayeux, Cabedelo e Santa Rita), com 1 milhão de habitantes, bem como em Campina Grande (385 mil) e Patos (100 mil), mas 90 municípios paraibanos (40%) apresentaram populações rurais superiores às populações urbanas e 191 (85%) têm densidades demográficas menores do que 150 hab./km², sendo que 120 (54%) com taxas abaixo de 50 hab./km² (IBGE, 2010). Esses indicadores evidenciam a natureza rural do estado da Paraíba, conforme as tipologias de Organismos Internacionais [2].

Pode-se argumentar que a participação de apenas 3,6% da agropecuária no PIB estadual [3] invalidaria tal caracterização, mas a Paraíba – especialmente sua ampla porção semiárida – pode ser caracterizada como “um campo economicamente esvaziado, mas socialmente vivo [pois] o bioma Caatinga configura-se como o maior polo contínuo de ruralidades no país, mas com baixa participação do valor agregado pelas atividades agropecuárias no valor agregado total, no qual dominam os serviços” [4]. De mais a mais, a Paraíba apresenta uma cultura fortemente marcada pela ruralidade enquanto “categoria histórica” [5], o que lhe confere um ethos marcadamente rural, que tem o seu epítome nos festejos de São João, o maior evento turístico do estado.

Nesse panorama, ressalta a presença camponesa, pois 77% dos estabelecimentos agropecuários paraibanos foram classificados como pertencentes à “agricultura familiar” no último Censo agropecuário (IBGE, 2017), cuja metodologia excluiu da classificação milhares de estabelecimentos que ampliaram sua “pluriatividade” no interstício entre este e o Censo anterior, realizado em 2006 [6], o qual havia contabilizado essa taxa em 88,5% (IBGE, 2006). Considerando que a articulação das atividades agrícolas com ocupações não agrícolas pelos membros da unidade produtiva familiar faz parte de sua “estratégia de reprodução” [7] e reforçam a “resistência camponesa” no mundo contemporâneo [8], penso que o Censo agropecuário de 2006 registra com mais precisão a presença camponesa na Paraíba.

De fato, um estudo utilizando dados do Censo Agropecuário de 2006 [9] apurou que a densidade de estabelecimentos familiares [10] na Paraíba é bastante alta, pois das 20 microrregiões mais densas do Brasil, todas do Nordeste, seis são paraibanas, cinco delas no Agreste, nas microrregiões de Campina Grande, Esperança, Curimataú Oriental, Brejo paraibano e Guarabira e uma na Zona da Mata, na microrregião de Sapé.

Nesse contexto ressaltam dois grandes problemas: a histórica concentração fundiária, expressa por um estratosférico coeficiente de Gini de 0,755 (confira aqui), e a minifundiarização, já que o estado apresenta a menor área média dos estabelecimentos familiares no país (11,5 hectares, contra 14,1 ha. no Nordeste e 20,8 ha. no Brasil) [11]. De fato, enquanto 76,9% dos estabelecimentos rurais do estado são da Agricultura Familiar, estes detêm apenas 42,1% da área, ao passo que os 23,1% dos estabelecimentos não familiares concentram 57,9% da área total, conforme se pode verificar no gráfico abaixo.

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Agropecuário 2017


Sem embargo, a Agricultura Familiar é um importante fator de geração de receitas e empregos no estado, pois 73,4% das pessoas ocupadas na agropecuária paraibana estão nos estabelecimentos familiares, os quais respondem por 44,5% das receitas do setor agropecuário paraibano [12].

Essa é uma realidade que se reproduz há séculos na Paraíba, onde o extraordinário potencial do povo trabalhador do campo vem sendo solapado pelos interesses das elites agrárias que se perpetuam nas estruturas de poder no estado. Assim, é fundamental que o Governo Lula III enfrente, com coragem e energia, a questão agrária paraibana para - junto ao povo camponês, suas organizações e aliados - inaugurar um novo tempo de esperança e prosperidade para a Paraíba, esse lindo estado rural.


[1] DELGADO, N.G.; LEITE, S.P.; SCHMITT, C.J.; GRISA, C.; KATO, K.; WESZ JUNIOR, V. J. Tipologias de ruralidades em agências multilaterais e organismos internacionais selecionados. In MIRANDA, C.; SILVA, H. (orgs.), Concepções da ruralidade contemporânea: as singularidades brasileiras. Brasília: IICA, 2013 (Série Desenvolvimento Rural Sustentável; v. 21).

[2] Idem.

[3] BEZERRA, F.J.A; BERNARDO, T.R.R., XIMENES, L.J.F.; VALENTE JUNIOR, A.S. Perfil socioeconômico da Paraíba. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2015.

[4] BITOUN, J.; MIRANDA, L.; SOARES, F.; LYRA, M.R.; CAVALCANTI, J. Tipologia regionalizada dos espaços rurais brasileiros. In MIRANDA, C. (org.) Tipologia regionalizada dos espaços rurais brasileiros: implicações no marco jurídico e nas políticas públicas. Brasília: IICA, 2017 (Série Desenvolvimento Rural Sustentável; v. 22), p. 10-11.

[5] WANDERLEY, M.N.B. A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas: o “rural” como espaço singular e ator coletivo. In O mundo rural como espaço de vida: reflexões sobre a propriedade da terra, agricultura familiar e ruralidade. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009, p. 204.

[6] DEL GROSSI, M.; FLORIDO, A.C.S.; RODRIGUES, L.F.P.; OLIVEIRA, M.S. Comunicação de pesquisa: delimitado a agricultura familiar nos censos agropecuários brasileiros. Revista NECAT, 8 (16), 2019: 40-45.

[7] SCHNEIDER, S. A pluriatividade na agricultura familiar. 2ª ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

[8] PLOEG, J.D. van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008, p. 49.

[9] LANDAU, E.C.; GUIMARÃES, L.S.; HIRSCH, A.; GUIMARÃES, D.P.; MATRANGOLO, W.J.R.; GONÇALVES, M.T., Concentração geográfica da Agricultura Familiar no Brasil. Sete Lagoas: Embrapa Milho e Sorgo, 2013.

[10] Número de estabelecimentos familiares/100 km²

[11] TARGINO, I.; MOREIRA, E. Agricultura familiar na Paraíba: Perfil com base no Censo Agropecuário de 2017, Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 51, suplemento especial, p. 133-154, agosto, 2020, p. 136.

[12] Idem, p. 137.


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