segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Os Objetivos do Golpe de 2016 (II): acabar com a Reforma Agrária


     Fonte: elaboração própria, com dados do  INCRA, acesso em 14/11/2019.

O Brasil tem uma das maiores concentrações fundiárias do Mundo. Mais da metade dos estabelecimentos rurais no país – exatamente 2.620.718 – são pequenas propriedades que detêm apenas 2,28% das terras, enquanto pouco mais de 51 mil grandes proprietários (1% do total) são donos de 47,6% da área total, de acordo com o Censo Agropecuário de 2017. Além disso, o MST contabiliza 150 mil famílias acampadas esperando por reforma agrária no país. 

Essa estrutura desigual e perversa vem do Brasil Colonial, quando as “sesmarias” eram doadas pelo rei de Portugal a “grão-senhores”, homens ricos e com prestígio político, que iriam explorá-las valendo-se da mão de obra escrava. Daí a origem do latifúndio, do “coronel”, do mandonismo político, da exploração máxima do trabalho humano, da pobreza, fome e miséria de trabalhadores e trabalhadoras rurais, realidade persistente no espaço agrário brasileiro. 

Em quatro séculos e meio de história nada foi feito para mudar essa iniquidade, até o surgimento das Ligas Camponesas em 1955, cujas lutas levaram o presidente João Goulart a decretar a primeira desapropriação de áreas improdutivas para a reforma agrária no Brasil, em março de 1964. Quinze dias depois, ele seria deposto pelo golpe militar. A elite brasileira não perdoa. 

Mas, a bandeira da reforma agrária fora definitivamente cravada na pauta progressista nacional, a ponto de figurar como um Capítulo na Constituição de 1988. Desde então, a União vinha cumprindo, em menor ou maior grau, com a sua obrigação constitucional de realizar a reforma agrária no país, pois entre 1995 e 2015, o governo federal assentou uma média de 61 mil famílias/ano. 

Entretanto, o golpe de 2016 veio a interromper drasticamente esse processo. Temer extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário e, segundo dados oficiais do INCRA, seu governo assentou apenas 2.891 famílias em 2016/2017 e não assentou uma sequer em 2018 (ver gráfico). 

Bolsonaro segue a escrita dos golpistas, até porque é um deles. No primeiro dia do seu governo, criou a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, que passou a controlar o INCRA, e nomeou Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR) para a pasta. Isto é, colocou a raposa para tomar conta do galinheiro. Desde então, o governo vem tudo fazendo para brecar a reforma agrária no país. Paralisa processos de desapropriação em curso, corta orçamento do INCRA, anuncia acordos para devolução de terras desapropriadas para antigos donos e, recentemente, demite toda a direção do INCRA, atendendo à pressão dos ruralistas. Enquanto isso, o filho “zero um” apresenta uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) flexibilizando a “função social da terra”, principal fundamento da reforma agrária. 

Não há como negar: um dos objetivos do golpe de 2016 foi acabar com a reforma agrária no Brasil e o governo Bolsonaro segue na mesma toada.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Os Objetivos do Golpe de 2016 (I): interromper a erradicação da pobreza e da miséria


Este gráfico, elaborado por Marcelo Neri (A escalada da desigualdade. Rio de Janeiro, FGV Social, agosto de 2019), mostra claramente que um dos principais objetivos do golpe de 2016 foi interromper o extraordinário processo de erradicação da pobreza e da miséria no Brasil, promovido pelos governos do PT. 

De fato, em 2003, ano da posse do presidente Lula, a proporção de pobres no país era de incríveis 28,16%, isto é 52 milhões de brasileiros e brasileiras viviam na pobreza e na miséria. Em 2014, último ano em que o PT conseguiu efetivamente governar o país, a taxa despencou para 8,38%, o que representa uma expressiva queda de 67% nesse indicador. Foram 36 milhões de pessoas retiradas da linha de pobreza no Brasil pelos governos Lula e Dilma.

Mas, a partir do momento em que Aécio Neves começou a “encher o saco do PT” (sic), contestando a reeleição da presidenta Dilma, que Eduardo Cunha partiu para o boicote ao governo e a encaminhar “pautas-bomba” para provocar a “tempestade perfeita” que desestabilizaria a economia até a efetivação do golpe e do governo ilegítimo de Temer, a proporção de pobres no Brasil só vem aumentando. Do final de 2014 até o final de 2017, nada menos do que 6,27 milhões de novos pobres surgiram no Brasil. 

Bozonazi e Guedes cumprem a sua parte nesse roteiro, fazendo maldades contra o povo brasileiro. O objetivo de aumentar a pobreza e a miséria no Brasil segue em curso. Até quando?

sábado, 10 de novembro de 2018

Bolsonaro Presidente. De quem é a culpa?



A eleição de Jair Bolsonaro para o mais alto cargo da República tem levado muita a gente a se perguntar: de quem é a culpa? Não é para menos. Quando se olha para a história de vida e o discurso do sujeito, é de se ficar estupefato que um homem tão medíocre e mesquinho tenha conseguido tal proeza.
Capitão do Exército de carreira curta e pífia, ficou conhecido do público com um artigo que publicou na Revista Veja em 1986, reclamando dos salários da tropa (veja aqui), pelo que foi condenado por corte marcial e puxou 15 dias de cadeia. Inconformado com a punição e ainda insatisfeito com o salário, ele e mais dois colegas da Arma elaboraram um plano terrorista batizado de “Beco sem saída”, que visava explodir bombas em quartéis do Exército. O plano era uma chantagem, pois foi vazado por eles próprios para a mesma Revista Veja, que deu grande destaque à matéria (veja aqui). Bolsonaro já usava fake news para atingir os seus objetivos...
E, de fato, os atingiu, pois como ele mesmo admite, esse imbróglio fez do capitão insatisfeito com o seu soldo vereador do Rio de Janeiro, eleito em 1988 (veja aqui). Com um salário melhor no bolso, entrou logo para a reserva. Bye bye, vida dura da caserna...
Daí, trilhou os caminhos do político tradicional brasileiro. Fez carreira parlamentar, colocou os três filhos para fazer o mesmo e, rapidamente, multiplicou o patrimônio da família (veja aqui), ocultando-o quando achou por bem ocultá-lo (veja aqui). Durante 27 anos, foi um obscuro deputado federal do chamado “baixo clero”, grupo de parlamentares fisiológicos com pouca influência na Câmara dos Deputados. O pessoal do “toma lá, dá cá”.
Nesse tempo todo como deputado, Bolsonaro teve apenas um projeto de lei de sua autoria sancionado (veja aqui), nunca relatou proposições de destaque e nem presidiu comissões ou liderou bancada (veja aqui). O que o notabilizou foi o seu discurso direitista radicalóide e autoritário. Em elucubrações raivosas, destila desprezo e ódio a mulheres, negros, índios, homossexuais, pobres, nordestinos e que tais. Diz que as minorias têm que se curvar ante a maioria. Defende a ditadura e a tortura. Acha que bandido bom é bandido morto. Jacta-se de sonegar impostos. Derrama impropérios contra os seus adversários. Acha bonito ser um brucutu.
No primeiro turno da eleição, verborrágico de fazer corar um Ciro Gomes, Bolsonaro só abria a boca para falar besteira. Dizia o que queria e se desdizia ao sabor das circunstâncias. Admitia, sem qualquer pejo, não entender nada de economia, saúde ou educação. Suas análises e propostas para o país tinham a profundidade de um pires. Nos debates, comportava-se como um bufão. Era o bobo da corte.
Com Lula na disputa, mesmo preso e incomunicável numa solitária em Curitiba, Bolsonaro não tinha a menor chance, pois o ex-presidente nunca obteve menos do que 30% da preferência popular nas pesquisas e atingiria 39% na última que foi feita com o seu nome (veja aqui). Se a Constituição valesse no Brasil, Lula teria sido eleito no primeiro turno. Mas, vivemos numa República das Bananas...
Assim, foram três degraus para a ascensão vertiginosa de Bolsonaro. Primeiro, a conveniente facada sem sangue em Juiz de Fora, no único dia da campanha em que ele não usou colete a prova de balas. O “atentado” tirou o bobo da corte de cena, calou a sua matraca e transformou o brucutu em vítima. Depois, a impugnação da candidatura de Lula, que removeu a grande pedra do seu caminho. Finalmente, a disseminação em massa das fake news pelo WhatsApp, financiada por empresas através de caixa 2, o “me engana que eu gosto” do eleitorado conservador, turbinado pelo apoio de Edir Macedo, sua Igreja e emissora de TV. Tudo com o beneplácito de um Judiciário leniente quando assim lhe interessa. Além da ajuda da imprensa corporativa, é claro.
Mas, isso não foi suficiente para a vitória de Bolsonaro no primeiro turno. “Bateu na trave”. O que indica que a estratégia do PT de manter a candidatura de Lula até a undécima hora foi correta.
No segundo turno, Bolsonaro seguiu a mesma tática furtiva: nenhum debate com o adversário; nada de detalhar propostas para o eleitorado; muitas intrigas, mentiras e bravatas nas redes sociais; entrevistas boazinhas com a imprensa amiga.
Enquanto isso, Haddad crescia a olhos vistos na campanha, impulsionado pela militância – orgânica e espontânea – que, num movimento de massa sem precedentes na história das eleições no Brasil, foi às ruas e às redes sociais para conquistar o voto dos indecisos, sensibilizar os desalentados com a política a não se absterem ou votarem em branco ou nulo e, claro, para virar os votos do oponente. Esse foi o destaque da campanha eleitoral de 2018: a emergência de uma numerosa, ativa e voluntarista militância democrático-progressista, de esquerda e de centro-esquerda, composta por gente de todas as idades disposta a lutar por seus ideais, mas cuja extraordinária dedicação à campanha de Haddad não foi suficiente para dar-lhe a vitória.
Então, o que explica a vitória de Bolsonaro?
Em primeiro lugar, a prisão política de Lula e a mordaça que a Justiça impôs a ele. O ex-presidente, favorito do povo, não pôde sequer gravar um áudio pedindo voto para o seu candidato. Permaneceu confinado em Curitiba, sob o tacão do juiz(?) Sérgio Moro, na verdade um cabo eleitoral de Bolsonaro, cuja máscara caiu quando ele aceitou o cargo de ministro da Justiça no novo governo.
Em segundo lugar, a ideologia. O discurso de Bolsonaro “colou” porque faz sentido numa sociedade autoritária, hipócrita, machista e individualista como poucas. Ora, o Brasil foi o último país do Mundo a abolir a escravidão e as empregadas domésticas trabalhavam quase como escravas até 2015. Uma República que foi proclamada por meio de um golpe militar, que já completou 129 anos e nunca teve mais de 30 anos seguidos de normalidade democrática. O país da “democracia racial” fajuta, da boca para fora, e da “cordialidade” cínica, que já não enganam mais ninguém. Hipocrisia pura. O país em que se registra oficialmente um caso de violência doméstica a cada dois minutos, um estupro a cada dez minutos (veja aqui) e que uma mulher é assassinada a cada duas horas (veja aqui). O país que é o segundo do Mundo em sonegação de impostos (veja aqui), cujos profissionais liberais têm dois preços para os serviços que prestam (“com” ou “sem recibo”), em que o consumidor tem que pedir (e, às vezes, brigar) por uma nota fiscal, em que empresários, na maior sem-cerimônia, maquiam a contabilidade, remetem lucros para paraísos fiscais e fazem caixa dois para si e para políticos amigos. O país em que a classe média endinheirada compra aparelhinhos chineses para burlar as TVs por assinatura. O país do “topa tudo por dinheiro” e do “se colar, colou”. Pois é, colou...
Em terceiro lugar, o antipetismo cultivado pela mídia com o auxílio de um Judiciário reacionário, parcial e seletivo (“com STF e tudo”), desde que o PT chegou ao poder. Foram anos e anos de massacre midiático, com o cidadão sendo diariamente bombardeado com o discurso monocórdico desse nosso jornalismo de release e os editoriais uníssonos do baronato que controla os meios de comunicação no Brasil. A veiculação, ad nauseam, de interpretações negativas dos fatos, mesmo quando o país contava com altíssimo respeito internacional e passava por momentos extraordinariamente positivos, apresentando nítido desenvolvimento econômico, investimentos robustos na infraestrutura, ampliação de oportunidades para todos, ascensão social e geração de emprego e renda.
Na mesma toada, a repercussão diuturna de processos judiciais tendenciosos, sempre com dois pesos e duas medidas. Nenhum dirigente do PT foi jamais condenado por enriquecimento ilícito, mas todos os filiados ao partido são considerados ladrões. Lula, sua família e amigos, seu Instituto e sua empresa de palestras foram investigados furiosamente. Nunca se descobriu uma conta no exterior, uma mala (nem sacola) de dinheiro ou qualquer bem ocultado; nenhum pagamento por palestra que não tivesse os tributos pagos e fosse registrado em seu imposto de renda; qualquer benesse recebida a que título fosse; sequer uma mísera gravação de ligação telefônica em que se falasse de propina ou atos ilícitos do ex-presidente. Lula foi condenado por um juiz-político, num processo “que não para em pé” (Gilmar Mendes), por uma reforma que não existiu num apartamento que nunca foi dele.
Uma mentira repetida mil vezes vira verdade, propalou Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. Assim foi na Alemanha nazista com a fixação, no consciente coletivo, da imagem do judeu como a causa dos problemas econômicos do país e, no Brasil, com a cristalização do petralha como o responsável por todos os males da política nacional. Em ambos os casos, são “arquétipos do mal” construídos para servirem como uma cortina de fumaça entre os interesses da direita e a psique coletiva de sociedades autoritárias e conservadoras. Assim, culpar o PT pela vitória de Bolsonaro é como culpar a mulher sexy pelo estupro que ela sofreu.
Se a culpa não foi do PT, também não foi de Ciro Gomes que, embora tenha tirado férias no segundo turno, ficado em cima do muro como um tucano e agido, com o irmão, como um quinta-coluna, seu eleitorado migrou em massa para Haddad no momento decisivo.
De fato, quando olhamos para os números da eleição (veja o Quadro abaixo), percebemos que Haddad teve uma evolução de 50,09% no seu desempenho, saindo de 31.342.051 votos no primeiro turno (29,28%) para 47.040.906 no segundo (44,87%), isto é, 15.698.855 votos a mais. Ciro (13.344.371 votos no primeiro turno), Marina, Boulos e Goulart Filho, cujo eleitorado apresenta um perfil de centro-esquerda, obtiveram, juntos, 15.061.247 votos, que é uma grandeza numérica bem semelhante ao crescimento de Haddad e, portanto, podemos inferir que houve uma transferência massiva desses votos para ele. Evidentemente não houve 100% de transferência e, mesmo assim, ainda ficariam “faltando” 637.608 mil votos para completar a diferença que, tudo indica, vieram majoritariamente dos votos brancos virados, pois esses diminuíram em 620 mil do primeiro para o segundo turno.


Quadro 1 – Transferência de Votos do 1º ao 2º Turno (Inferência)
Eleições Presidenciais – Brasil, 2018


                                                                                            Fonte: elaboração própria com dados do TSE

Por outro lado, Bolsonaro evoluiu também (17,29%), tendo obtido 8.520.837 votos a mais no segundo turno, os quais devem ter sido herdados, majoritariamente, de Alckmin, Amoêdo, Daciolo, Meirelles, Álvaro e Eymael, candidatos alinhados ideologicamente a ele, que, entretanto, haviam somado 11.314.679 votos no primeiro turno. Assim, “sobrariam” 2.793.842 votos, o que indica que a imensa maioria dos eleitores deles que não votaram em Bolsonaro, também não votaram em Haddad, como o eleitorado ideológico de Vera (55.762 votos no primeiro turno), considerando-se o histórico do PSTU. Com efeito, somando-se as “sobras” de Alckmin, Amoêdo, Daciolo, Meirelles, Álvaro e Eymael com os votos de Vera, obtemos um total de 2.849.604 votos, montante bem próximo das 2.832.416 abstenções e votos nulos adicionados no segundo turno.

Bem, se é assim, de quem, afinal, é a responsabilidade pela eleição de Jair Bolsonaro? Elementar, meus caros e caras. A responsabilidade é de quem votou nele.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Análise dos números das eleições presidenciais na Paraíba: a força da militância


Neste segundo turno das eleições para a Presidência da República, a Paraíba mostrou que é um Estado politizado, pois apresentou a menor abstenção no país (16%), ficando bem abaixo do escore nacional (21%), que foi o maior desde 1989 para o segundo turno das eleições presidenciais. Houve também uma redução drástica em votos brancos (-45%) e nulos (-33%), o que representou um acréscimo de 97.497 votos válidos no segundo turno, isto é, 4% do total.

Em termos de preferência, a Paraíba deixou claríssima a sua escolha, pois Fernando Haddad venceu em 220 dos 223 municípios e obteve 65% dos votos válidos (contra 45% no primeiro turno), o que representa uma evolução de 47% entre os dois turnos, isto é, 466.895 votos a mais.

Haddad obteve extensa margem de vantagem nas 220 cidades em que venceu (75% x 25%) e perdeu apenas em João Pessoa (45% x 55%), Campina Grande (44% x 56%) e Cabedelo (49% x 51%), cidades em que, contudo, evoluiu bastante do primeiro para o segundo turno.

Campina Grande foi onde Haddad mais cresceu, aumentando a sua votação em 118%, já que obtivera 45.065 votos no primeiro turno (21%) e atingiu 98.243 no segundo (44%), isto é, 53.178 votos a mais. 

Em João Pessoa, Haddad teve um aumento de 89%, crescendo de 24% para 45% dos votos válidos, ou seja, 89.041 votos a mais. Já em Cabedelo, sua evolução foi de 64%, aumentando de 31% para 49% dos votos válidos. 

É plausível supor que a evolução de Haddad deveu-se, fundamentalmente, a uma migração maciça dos votos de Ciro Gomes (362.775) e Boulos (6.901), à imensa maioria dos votos brancos e nulos revertidos (97.497) e uma pequena parte dos votos dos outros candidatos no primeiro turno, que totalizaram 133.752 escrutínios, pois não acredito que tenha havido uma reversão relevante de votos de Bolsonaro para Haddad, até porque o capitão também cresceu (15%). 

De fato, Bolsonaro obteve 104.424 votos a mais no segundo turno, que penso tenham migrado, majoritariamente, de Alckmin, Daciolo, Meirelles, Amoêdo e Álvaro Dias, todos alinhados ideologicamente a ele, que juntos obtiveram 119.451 votos no primeiro turno. 

Seja como for, reputo a significativa melhoria de desempenho de Haddad no segundo turno – particularmente em Campina Grande, onde atuei – à militância partidária e espontânea que saiu às ruas, visitou as casas e agiu nas redes sociais, num trabalho diuturno de convencimento de eleitores e eleitoras, pois, afinal, esse foi o fato novo no segundo turno da campanha eleitoral de 2018 no Estado. 

É essa militância aguerrida que tem a responsabilidade de manter viva a resistência democrática na Paraíba. Eu estou pronto para isso. 

quinta-feira, 14 de abril de 2016

O golpe é uma expressão da luta de classes


Ontem realizamos um debate na UFCG em que procuramos analisar "as várias faces do golpe". Coube a mim interpretá-lo sob o ponto de vista sociológico, o que fiz esposando a tese de que o golpe é, fundamentalmente, uma expressão da luta de classes no Brasil. Aqui faço um resumo de minha abordagem, disponibilizando os slides que apresentei no debate.

Parti da premissa de que, ao romperem com o formulário neoliberal, os governos trabalhistas de Lula e Dilma apresentaram resultados econômicos expressivamente melhores do que os governos que os antecederam (ver post anterior) e, implementando políticas públicas de forte impacto social, produziram o seu maior legado: um extraordinário processo de ascensão social.










Um aspecto importante deste processo foi que a ascensão social propiciou a abertura de espaços historicamente interditados aos chamados "excluídos", pois como bem definiram NERI e SOUSA (2012), esta foi a "década inclusiva", pois “a renda de grupos tradicionalmente excluídos que tinham ficado para trás foi a que mais prosperou no período, em particular, negros, analfabetos, crianças, nordestinos e moradores do campo”.










Isto incomodou nossa classe dominante, a chamada "elite branca", historicamente autoritária, segregacionista, conservadora, preconceituosa e exploradora, cujo arquétipo é a família patriarcal escravocrata. Por exemplo, passaram os ricos a torcer narizes frente à invasão de seus espaços "exclusivos" por pobres, negros, nordestinos e quetais. Como escreveu a socialite Danuza Leão "Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?"

Mas não foi só isso. Incomodaram-se muito com a ampliação dos direitos dos trabalhadores, notadamente a equiparação das empregadas domésticas à CLT, e com as políticas de renda mínima, como o Bolsa Família. Ora, está cada vez mais difícil encontrar mortos de fome que se submetem a qualquer salário e condições de trabalho para lhes servir como escravos. E isso, para a elite branca, o 1% da população, é inadmissível.






Assim, o golpe é apenas um instrumento da elite para "por ordem" na Casa Grande, e portanto, expressa tão somente a luta de classes.

Hoje leio o Veríssimo, em crônica lapidar (veja aqui), defender a mesma tese, dialogando com a História, "uma velha e pachorrenta senhora":

— Foi o fim da ilusão petista de mudar o Brasil?

— Mais, mais. Foi o fim da ilusão que qualquer governo com pretensões sociais poderia conviver, em qualquer lugar do mundo, com os donos do dinheiro e uma plutocracia conservadora, sem que cedo ou tarde houvesse um conflito, e uma tentativa de aniquilamento da discrepância. Um governo para os pobres, mais do que um incômodo político para o conservadorismo dominante, era um mau exemplo, uma ameaça inadmissível para a fortaleza do poder real. Era preciso acabar com a ameaça e jogar sal em cima. Era isso que estava acontecendo.

segunda-feira, 28 de março de 2016

O Brasil que os golpistas querem destruir


Em seu discurso de posse na presidência em 2003, Luís Inácio Lula da Silva fez uma afirmativa carregada do ethos de sua classe social: “se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida”[1]. Com essa fórmula aparentemente pueril, bastante ironizada pela grande mídia e pelas elites políticas que ele acabara de derrotar nas eleições de 2002, iniciava-se um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social no Brasil que retirou 36 milhões de brasileiros da pobreza absoluta, propiciou a ascensão de 42 milhões à classe média – que passou de 37% para 55% da população entre 2003 e 2012 – e elevou a renda per capita em 78%[2].

Esse é um dos mais significativos movimentos de ascensão social e distribuição de renda já verificados na história do Capitalismo, denominado com bastante propriedade por NERI e SOUZA (2012) como “década inclusiva”, pois, “de maneira geral, a renda de grupos tradicionalmente excluídos que tinham ficado para trás foi a que mais prosperou no período, em particular, negros, analfabetos, crianças, nordestinos e moradores do campo” (NERI e SOUZA, 2012: 8; 21). Assim, “após 30 anos de alta desigualdade inercial, o que colocou o Brasil no imaginário internacional como a terra da iniquidade, o Índice de Gini começa a cair no Brasil, passando de 0,61 em 2001 a 0,527 em 2012” (NERI e SOUZA, 2012, p. 4; NERI et al., 2013, p. 10).

Com efeito, após a população experimentar o absoluto desastre do chamado “milagre econômico” da ditadura militar (1964-1985), que propiciou crescimento econômico, mas aprofundou a pobreza e a miséria no país e, em seguida à sua derrocada, os anos de hiperinflação que as agravaram ainda mais para, finalmente, após a estabilização monetária promovida pelo Plano Real no final do governo de Itamar Franco (1994), sentir os amargos resultados da “estratégia neoliberal”[3] do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), imperava um profundo desânimo na população nacional, imersa num quadro econômico crítico.

Ora, em 2002 o Produto Interno Bruto do Brasil era de 1,488 trilhões de reais[4], ou 3,032 trilhões de reais em valores atualizados[5], o que colocava a economia nacional em 13º lugar em termos de grandeza no Mundo, quando esta ocupava o 9º lugar no início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, segundo dados do Banco Mundial[6]. A taxa de investimentos sobre o PIB chegou ao piso histórico de 15,3% em 2003 (BRASIL, 2013, p. 24), o PIB per capita montava em apenas R$ 8.364,46[7], ou R$ R$ 17.038,47 em valores atualizados[8], e a taxa de desemprego batia os 12,9%[9] no final do segundo governo do antecessor de Lula. A inflação fechou o ano de 2002 num patamar de 12,5%[10], bem longe do teto da meta estabelecida pelo governo (5,5%), e em aceleração. A dívida externa atingira R$ 231,7 bilhões em valores correntes[11], ou R$ 522,5 bilhões em valores atuais[12] e as reservas internacionais do país somavam, tão somente, US$ 37,8 bilhões (BRASIL, 2014) – dos quais US$ 20,8 bilhões correspondiam a um empréstimo feito junto ao FMI.

Na Era Lula-Dilma Rousseff, os números mudaram significativamente: o PIB cresceu 88%, atingindo a cifra de R$ 5,687 trilhões em 2014[13], o que guindaria a economia nacional ao 7º lugar em grandeza no Mundo[14]. O PIB per capita aumentou 60% no mesmo período, chegando a R$ 27.229,35 em 2014[15]. A taxa de investimentos sobre o PIB atingiu 19,7% em 2014[16], aumento de 20% em uma década, ao passo que o investimento do setor público em Formação Bruta do Capital Fixo passou de 2,6% do PIB em 2003 para 4,4% do PIB em 2012 (BRASIL, 2013, p. 7-8), aumento de 69%. De acordo com o Banco Central, o Brasil tornou-se superavitário em sua dívida externa em 2006[17] e, segundo o Tesouro Nacional, o país apresentava um superávit de R$ 1,13 trilhões em novembro de 2015[18]. As reservas internacionais montam a US$ 371,5 bilhões em fevereiro de 2016[19], quase dez vezes mais do que em 2002.

Em virtude das mais de 20 milhões de novas vagas de emprego abertas em uma década (BRASIL, 2014; IBGE, 2014), o país atingiria sua menor taxa histórica de desemprego em dezembro de 2014 (4,3%)[20] e fecharia 2015 com uma taxa média anual de 6,9% que, comparada com a taxa de 12,9% verificada no final do governo de Fernando Henrique Cardoso (2002), evidencia uma redução absoluta de 6 pontos percentuais, isto é, uma queda de 53% do desemprego no período dos governos trabalhistas.

Refutando as teses neoliberais quanto ao papel do Estado na economia e numa clara opção estratégica de crescimento econômico sustentável por meio da ampliação do mercado interno, então por décadas represado, os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff empreenderam uma série de políticas públicas inovadoras, destacando-se, por um lado, as políticas de inclusão social e distribuição de renda por meio de programas como o Fome Zero e o Bolsa Família e, por outro, as políticas de estímulo à geração de empregos e de aumento real do salário mínimo, que teve um ganho real de 80% entre 2002 e 2016, passando a corresponder a 2,12 cestas básicas em janeiro de 2014, contra 1,42 no último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso (DIEESE, 2013, p. 10)[21]. Em virtude disso, e dos outros avanços já citados, a renda familiar per capita elevou-se de R$ 679,90 em 2002 para R$ 1.052,00 em 2014[22], aumento de 41%, e, segundo a ONU/PNUD, a proporção de pobres despencou 86%, saindo de 25,5% em 2000 para 3,5% em 2010.


É este novo Brasil que os derrotados nas eleições de 2014 querem destruir por meio de um golpe.




[2]Discurso da presidenta Dilma Rousseff na abertura do VII Encontro Empresarial Brasil-União Europeia - Bruxelas/Bélgica em 24/02/2014. Disponível em http://www2.planalto.gov.br/centrais-de-conteudos/videos/dilma-discursa-na-abertura-do-vii-encontro-empresarial-brasil-uniao-europeia, acesso em 12/05/2015.
[3]Segundo CARINHATO (2008, p. 40), “Esta estratégia tinha o seguinte receituário: combate à inflação, através da dolarização da economia e valorização das moedas nacionais, associado a uma ênfase na necessidade de ajuste fiscal. Junto dessas orientações, ainda podemos citar a reforma do Estado – mormente privatizações e reforma administrativa – desregulamentação dos mercados e liberalização comercial e financeira”.
[4]Banco Central do Brasil, Sistema Gerenciador de Séries Temporais. https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries, acesso em 05/02/2016.
[5]A valores de 31/12/2014, deflacionados pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas.
[8]A valores de 31/12/2014, deflacionados pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas.
[9]IBGE, Séries históricas da Pesquisa Nacional de Emprego. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/defaulttab_hist.shtm, acesso em 05/02/2016.
[10]IBGE, Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/defaultinpc.shtm, acesso em 25/08/2014.
[11] Tesouro Nacional, Séries Temporais. http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/series_temporais/principal.aspx#ancora_consulta, acesso em 05/02/2016.
[12] A valores de 31/12/2015, deflacionados pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas.
[13]Banco Central do Brasil, Sistema Gerenciador de Séries Temporais. https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries, acesso em 05/02/2016. Até o fechamento deste artigo, o BCB ainda não havia divulgado o valor do PIB de 2015.
[16] IBGE, Séries Históricas e Estatísticas. http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=12&op=0&vcodigo=SCN36&t=taxa-investimento, acesso em 05/02/2016. 
[17] Banco Central do Brasil, Sistema Gerenciador de Séries Temporais. https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries, acesso em 05/02/2016.
[18] Tesouro Nacional, Séries Temporais. http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/series_temporais/principal.aspx#ancora_consulta, acesso em 05/02/2016.
[19]Banco Central do Brasil, https://www.bcb.gov.br/?RESERVAS, acesso em 05/02/2016.
[20]IBGE, Séries históricas da Pesquisa Nacional de Emprego. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/defaulttab_hist.shtm, acesso em 05/02/2016.
[21] “A lo largo de los ocho años de Gobierno del Presidente Lula da Silva (2003-2010), el salario mínimo creció 5.8% en promedio anual, con un incremento real acumulado de casi 60%. En este mismo periodo, el PIB aumentó 4% al año en promedio, mientras que el PIB per cápita lo hizo a un ritmo de 2.3%. El resultado ha sido un crecimiento del salario mínimo por encima de la expansión real del PIB, desencadenando efectos redistributivos importantes y contribuyendo a la reducción de los niveles de pobreza. Este crecimiento es casi el doble del observado en el periodo del Gobierno del Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002): incremento real del salario mínimo de 3.3% al año, mientras el PIB creció 2.3% y el PIB per cápita 0.8%”. (OIT, 2011, p. 79).
[22] IBGE, 2014acesso em 05/02/2016.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A Feira de Campina Grande em Dois Tempos, por Roberto Coura.




A Prefeitura Municipal de Campina Grande, por meio da Secretaria de Planejamento, presta uma homenagem à cidade em seu Sesquicentenário rendendo um preito à Feira Central. Estamos reeditando o cultuado "A Feira de Campina Grande", ensaio fotográfico de Roberto Coura que veio à luz em 1978, e também estamos publicando o inédito "As Cores da Feira", com fotos realizadas por ele agora em 2014.

O lançamento será no próximo dia 18/12, às 20 horas, no Museu de Arte Popular da Paraíba, conhecido como "Museu dos Três Pandeiros". Todos estão convidados!!


quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Paradoxos da Cidadania à Brasileira


Acaba de ser publicado na Revista História e Cultura o meu artigo "Paradoxos da Cidadania à Brasileira: sociologia histórica do campo jurídico no Brasil", um dos capítulos, revisado e atualizado, de minha Tese de Doutorado.

Partindo da perspectiva analítica da sociologia histórica, o ensaio tem como objetivo demonstrar que a cidadania no Brasil, cingida pela desigualdade, tem um sentido peculiar e paradoxal. Daí, o designativo “à brasileira”. Forjado nos alvores da formação nacional, esse aspecto contraditório permanece incólume no âmbito do campo jurídico no Brasil, mesmo diante das transformações sociais, políticas e econômicas experimentadas pela sociedade brasileira no transcurso de sua história. O ensaio procura reconstituir a configuração do estatuto da desigualdade civil no Brasil Colonial analisando o código legal coevo (as Ordenações Filipinas), bem como as práticas nas arenas jurídicas para demonstrar que, em função de sua recorrência estrutural até os dias de hoje, ele é um traço perene da cidadania à brasileira.

Ora, não é preciso ser um cientista social para saber que a desigualdade se constitui no mais grave problema nacional, pois é notório o fato de que a distribuição de renda no Brasil é uma das mais iníquas do mundo. De fato, embora na última década a pobreza e a miséria tenham declinado constante e substancialmente no país, levando a proporção de pobres a decrescer de 25,5% da população em 2000 para 3,5% em 2010 (BRASIL, 2014, p. 17), a desigualdade brasileira está entre as doze mais altas do mundo (NERI e SOUZA, 2012, p. 3). 

O que torna ainda mais perversa essa realidade é que, para além da brutal desigualdade econômica entre os poucos que possuem muito e os muitos que possuem pouco, há uma flagrante falta de equidade entre os cidadãos no acesso às salvaguardas que o Estado deveria outorgar a todos, pois a sociedade brasileira está emoldurada por um sistema hierárquico de relações sociais que define condições diferenciais de cidadania de acordo com a posição do indivíduo num panorama social dividido entre “superiores” e “inferiores”, como ressalta Roberto DaMatta (1983, 1987 e 1993)

Assim, a desigualdade social no Brasil tem uma dupla face: por um lado, existe uma diferença econômica aguda entre a minoria abastada e a massa despossuída; por outro lado, há um verdadeiro abismo civil entre a elite e o povo. 

O mais paradoxal é que o "estatuto da desigualdade" pauta, até hoje, o exercício da justiça no Brasil, com sua inacreditável estrutura recursal propiciando a impunidade dos que têm dinheiro para pagar advogados e os seus calabouços infectos para os “peixes pequenos” e os “ladrões de galinha”. Este é o tema focado no ensaio.

Acesse o artigo completo aqui.

A Revista

Revista História e Cultura (ISSN: 2238-6270), classificada pela CAPES na categoria Qualis A2, o segundo estrato de qualidade mais elevada, é uma publicação semestral eletrônica editada pelo Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), com sede na cidade de Franca, São Paulo, Brasil.

A História e Cultura, atenta às pesquisas e ao debate acadêmico desenvolvido na História e em áreas afins, publica textos inéditos de autoria de doutores, mestres e pós-graduandos stricto sensu, redigidos em português, espanhol, francês e inglês. Além de artigos para dossiês, a revista recebe contribuições em fluxo contínuo de artigos livres, entrevistas, resenhas e traduções.