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domingo, 15 de maio de 2011

Mais Escolas Agrotécnicas para o Nordeste

Segundo dados do último censo, há cerca de 30 milhões de pessoas vivendo no campo no Brasil, quase a metade delas concentradas na região Nordeste, que possui uma população rural de 14,3 milhões de pessoas, constituindo-se, assim, na região com o maior percentual de população nessa condição de domicílio. Isto é, 26,9% dos nordestinos vivem no campo.
No que tange à estrutura etária da população, o Nordeste ainda tem características de uma população jovem, segundo o IBGE. Embora os níveis de fecundidade tenham caído pronunciadamente a partir da década de 1980, o que provocou uma drástica redução no grupo de crianças menores de 5 anos, a população em idade escolar ainda é bastante significativa, representando 38% do total, mais de 20 milhões de crianças e jovens.
Ainda não foram divulgados todos os dados sobre a escolaridade dos brasileiros, mas, em relação ao analfabetismo, mais uma vez a região Nordeste é o destaque negativo no censo, pois apresenta hoje uma taxa de 19,1% de analfabetos na população acima de 15 anos, muito próxima à do Brasil em 1991 (20,1%). Isto é, em termos de combate ao analfabetismo, o Nordeste apresenta uma defasagem de 20 anos em relação à média nacional. Quando comparamos regionalmente, a discrepância é ainda mais gritante: hoje a região Sul apresenta uma taxa de analfabetismo de 5,1%, a menor do Brasil, seguida pelo Sudeste (5,5%), Centro-Oeste (7,2%) e Norte (11,2%). Assim, a taxa de analfabetismo no Nordeste é cerca de quatro vezes maior do que no Sul e Sudeste e quase o dobro da região Norte.
Ademais, sabe-se que apesar do aumento do número de estabelecimentos que oferecem o nível médio nas comunidades rurais verificado pelos censos escolares realizados pelo INEP/MEC nos últimos anos (de 679 em 2000 para 2.173 em 2009), sua oferta se encontra ainda longe da universalização, assim como a oferta dos anos finais do ensino fundamental. Em relação ao ensino profissionalizante, a situação é ainda mais grave, pois, no Brasil apenas 4% dos estabelecimentos que oferecem este tipo de ensino estão implantados na zona rural. No Nordeste, são 6%[1].
Esta situação requer, evidentemente, uma política de expansão da oferta de educação de qualidade para os povos do campo, notadamente no Nordeste, a região mais rural e a segunda mais jovem do Brasil. Por outro lado, não basta apenas oferecer ensino propedêutico para os jovens do campo nordestinos, pois muitos deles estão dispostos a dar continuidade aos empreendimentos rurais de seus pais e avós, o que se pode verificar pela significativa presença de jovens agricultores familiares na dinâmica do Programa Territórios da Cidadania na região.
De fato, o Projeto Universidade Camponesa (UniCampo), ação de extensão que a Universidade Federal de Campina Grande desenvolve desde 2003, tem demonstrado que projetos educacionais voltados para uma formação técnica focada nas novas tecnologias sustentáveis para a agropecuária no Semiárido são muito bem vindos entre os jovens agricultores familiares[2], pois além de lhes conferirem auto-estima e “empoderamento”, abrem reais oportunidades para que assumam o empreendimento familiar, renovando-o e revitalizando-o[3].
Os trabalhos desenvolvidos ao longo da experiência do Projeto Unicampo convenceram os participantes de que, malgrado as extremas vulnerabilidades ambientais, sociais, políticas e econômicas do Bioma Caatinga, o Semiárido brasileiro é um lugar pleno de possibilidades de existência digna para os camponeses. Assim, os trabalhos demonstraram a capacidade coletiva de produção de conhecimentos para melhor se identificar estas potencialidades e valorizá-las num projeto renovado de desenvolvimento sustentável.
Este conjunto de repercussões positivas levou a UFCG a criar um Campus da Instituição em Sumé, na região do Cariri paraibano, fundamentado nas perspectivas político-pedagógicas do Projeto Universidade Camponesa, inaugurado em setembro de 2009. No referido campus, onde funciona o Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido, é oferecido o Curso Superior de Tecnologia em Agroecologia, que institucionalizou definitivamente os princípios pedagógicos da UniCampo, bem como um Curso de Licenciatura em Educação do Campo, voltado à formação de professores para a zona rural.
Mas, além da ampliação do acesso ao ensino superior para os jovens rurais e o desenvolvimento de projetos de extensão que promovam sua inclusão educacional, é preciso investir na ampliação da oferta de ensino básico profissionalizante através da implantação de escolas agrotécnicas em toda a região.
Penso ser esta uma ação estratégica para o próprio desenvolvimento sustentável do Nordeste brasileiro, a região mais rural e a segunda mais jovem do Brasil, uma vez que a formação de mão de obra especializada pode reduzir o êxodo campo-cidade ao abrir novas oportunidades de emprego e renda para esses milhões de jovens empreendedores do campo, dinamizando o sistema produtivo agropecuário na região e revigorando a agricultura familiar nordestina pelas mãos dos jovens camponeses.

[1] Sinopse Estatística da Educação Básica, 2009. Brasília, MEC/INEP, 2010.
[2] Ver, por exemplo, "As boas sementes do Cariri paraibano”. Revista Problemas Brasileiros, Ano XLVII, Nº 392, março/abril de 2009 (http://migre.me/4xTC6).
[3] LEAL, Fernanda, CANIELLO, Márcio, TONNEAU, Jean-Philippe. “Projeto UniCampo: uma experiência de extensão no Cariri paraibano”. In: CORRÊA, E. J., CUNHA, E. S. M. e CARVALHO, A. M. (Orgs.). (Re)conhecer diferenças, construir resultados. 1ª ed. Brasília: UNESCO, 2004, pp. 209-217 (www.ufcg.edu.br/~unicampo/textos.htm); DUQUÉ, Ghislaine, CANIELLO, Márcio e TONNEAU, Jean-Philippe. “Lideranças Camponesas da UniCampo: processo de empoderamento”. In: Anais da VI Reunião de Antropólogos do Mercosul. Montevidéu - Uruguai, 2005. COUDEL, Emilie. Formation et apprentissages pour le développement territorial : regards croisés entre économie de la connaissance et sciences de gestion. Réflexion à partir d’une expérience d’Université Paysanne au Brésil. Tese de Doutorado. Montpellier, SUPAGRO, 2009 (www.supagro.fr/theses/extranet/09-0003_Coudel.pdf).

domingo, 1 de maio de 2011

Em 20 anos, o Brasil reduziu o analfabetismo pela metade

Os primeiros resultados do Censo de 2010 começam a ser publicados pelo IBGE, que disponibiliza em um hotsite tabelas, mapas e gráficos que oferecem uma verdadeira radiografia do Brasil desde 1872, ano em que foi realizado o primeiro recenseamento geral da população brasileira. É uma fonte preciosa para professores, estudantes e pesquisadores refletirem sobre os mais diversos aspectos da evolução do nosso país.
Na medida em que os dados forem sendo publicados e que outros estudos e dados vierem à luz, vamos postar algumas análises aqui no blog, de maneira a contribuir com uma reflexão: o Brasil será uma potência mundial no Século XXI? Penso que ao superarmos o neoliberalismo na macroeconomia brasileira com as políticas públicas implementadas pelo Governo Lula (2002-2010), demos um grande salto em direção a essa vocação nacional, pois em 2010 atingimos o patamar de 8ª economia do Mundo, segundo avaliação do FMI e do Banco Mundial (em 2002, o Brasil estava em 12º lugar).
Mas, o que dizer sobre as tendências que devem acompanhar o crescimento econômico em direção à conquista do desenvolvimento humano e do desenvolvimento sustentável, rotas fundamentais para construirmos o nosso desenvolvimento como liberdade, como propõe Amartya Sen? Neste sentido, hoje analisaremos os primeiros dados sobre a educação nacional disponibilizados pelo Censo do IBGE.

O Analfabetismo no Brasil

Em 20 anos, a taxa de analfabetismo no Brasil foi reduzida pela metade. Em 1991, 20,1% da população com 15 anos ou mais não sabia ler e escrever, isto é, um em cada cinco brasileiros eram analfabetos. Hoje a taxa de analfabetismo nesta faixa etária é de 9,6%, coeficiente  ainda muito alto, quando comparado com as taxas na América Latina, onde o Brasil fica apenas em 12º lugar, atrás de países como Cuba, que apresenta a menor taxa (0,2%), Uruguai (1,9%), Argentina (2,8%), Chile (4,3%), Venezuela (7,0%) e Colômbia (7,2%), segundo dados publicados pela UNESCO em 2010[1]. Na mesma faixa do Brasil estão Equador (9%), México (9,1%) e Paraguai (9,8%).
Quando comparamos com as taxas dos chamados BRICs, países que se destacaram no cenário mundial pelo rápido crescimento das suas economias em desenvolvimento, o Brasil apresenta uma posição mediana, bem atrás da Rússia (0,6%), que tem o dobro da extensão territorial do Brasil e um PIB 25% menor que o nosso, e se aproximando da China (7,1%), mas à frente da Índia (34,9%) e da África do Sul (12,4%).
Portanto, embora o Brasil apresente uma evolução significativa em termos da erradicação do analfabetismo no país nos últimos 20 anos, é preciso que se acelere muito esse processo, colocando-o no mesmo ritmo do aumento do PIB, pois se hoje somos a 8ª economia do mundo, continuamos apresentando índices de analfabetismo incompatíveis com a grandeza de nossa economia.

O Analfabetismo no Nordeste

Situação bem pior é a da região Nordeste, que apresenta hoje uma taxa de 19,1% de analfabetos na população acima de 15 anos, muito próxima à do Brasil em 1991 (20,1%). Isto é, em termos de combate ao analfabetismo estamos com uma defasagem de 20 anos em relação à média nacional.
Quando comparamos regionalmente, a discrepância é ainda mais gritante, como se pode observar no gráfico: hoje a região Sul apresenta uma taxa de analfabetismo de 5,1%, a menor do Brasil, seguida pelo Sudeste (5,5%), Centro-Oeste (7,2%) e Norte (11,2%). Assim, a taxa de analfabetismo no Nordeste é cerca de quatro vezes maior do que no Sul e Sudeste e quase o dobro da região Norte. Ademais, o Nordeste apresentou o menor ritmo de redução do analfabetismo nestes 20 anos, pois enquanto as regiões Sul e Centro-Oeste reduziram o analfabetismo em cerca de 57% e Norte e Sudeste algo em torno de 55%, a redução no Nordeste foi de apenas 49%.


Portanto, se a conquista do desenvolvimento como liberdade no Brasil depende de uma aceleração na evolução dos coeficientes educacionais e no combate ao analfabetismo em particular, essa operação é ainda mais urgente no Nordeste, a segunda região mais populosa do Brasil, com 53 milhões de habitantes. É preciso que as políticas públicas educacionais tenham tratamento diferenciado e privilegiado para a região, e que os governos federal, estadual e municipais realmente coloquem a educação como principal prioridade em suas gestões.



[1] Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Situação Educativa da América Latina e Caribe 2007 / Unesco e Panorama Educativo 2005 Caminhando rumo às Metas / Projeto Regional de Indicadores Educativos - Cúpula das Américas).

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Lições de um Vestibular

A criação do Campus da UFCG em Sumé foi um árduo processo. Município que abrigou a instalação de um campus avançado da UFCG em 2003, considerado como a “cabeça de ponte” da retomada do processo de interiorização da Instituição, foi preterido pela burocracia de Brasília na primeira fase de implementação do Plano de Expansão Institucional da UFCG (PLANEXP), pois o então Secretário de Educação Superior do MEC argumentava – vejam só! – que Sumé ficava muito próxima a Caruaru e Garanhuns, onde haviam sido implantados novos campi da UFPE e UFRPE, pioneiros no Programa de Expansão das IFES promovido pelo governo Lula.

Tanto o povo do Cariri quanto a administração superior da UFCG não se conformaram com tal avaliação e se irmanaram num processo de mobilização sem precedentes naquela histórica microrregião, culminando com a realização do “Grito do Cariri”, ato público realizado em 2006 que reuniu a sociedade civil organizada e a classe política do Estado, galvanizando todos os seus matizes partidários e ideológicos.

O principal argumento dos defensores da instalação do campus era que a região apresenta um dos menores índices de acesso de jovens de 18 a 24 anos ao ensino superior – 0,93%, de acordo com o IBGE – e ressaltavam que essa dramática cifra era decorrência da falta de instituições de ensino superior na região. Reivindicavam a instalação de um campus da UFCG por o considerarem como uma esperança de futuro para os inúmeros jovens e adultos egressos do ensino médio no Cariri e regiões circunvizinhas.

A força do argumento, a mobilização da sociedade civil e da classe política, bem como as articulações que a administração superior da UFCG logrou realizar em Brasília, finalmente sensibilizaram o Ministro da Educação que deu “sinal verde” para a criação do campus. Aprovado o Projeto Acadêmico no Colegiado Pleno do Conselho Universitário e liberados os recursos para a implantação do campus, o Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido foi oficialmente instalado em 2 de janeiro de 2009, com a nomeação da Diretoria pro tempore.

Desde então, iniciamos uma verdadeira cruzada para atingir a principal meta para este ano, de acordo com o Plano de Trabalho que foi protocolado no MEC: a abertura de 250 novas vagas em cinco cursos, com o início das atividades letivas no semestre 2009.2. Em parcos seis meses, contando com uma pequena, mas brava equipe de professores e servidores nomeados, bem como de colaboradores de outros Centros de Ensino da UFCG, a diretoria pro tempore encaminhou os cinco Projetos Pedagógicos dos Cursos à Câmara Superior de Ensino, realizou um concurso público de provas e títulos para a seleção de 51 docentes em 37 áreas do conhecimento e, em parceria com a COMPROV e PRE, realizou o Vestibular Especial.

As estatísticas do processo seletivo viriam a confirmar sobejamente a principal tese esgrimida pelos defensores da criação do Campus de Sumé, isto é, a existência de uma brutal demanda reprimida por ensino superior na região. De fato, para as 250 vagas disponibilizadas, candidataram-se 992 pessoas, estabelecendo uma concorrência média de 3,97 candidatos por vaga. Do total de candidatos inscritos, 965 eram provenientes da Paraíba (97,3%), sendo 778 do Cariri (78% do total).

O desempenho dos vestibulandos mostrou-se admirável, pois foram aprovados 245 candidatos para as 250 vagas oferecidas e, embora tenham sobrado cinco vagas para o Curso de Engenharia de Biossistemas (já ocupadas através do processo de reopção), ao final do processo seletivo havia uma lista de espera de 239 candidatos aprovados e não classificados nos outros quatro cursos oferecidos.

Concluído o cadastramento dos aprovados, o Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido registra um corpo discente em sua imensa maioria paraibano (98% do total) e dominantemente oriundo da região do Cariri Paraibano (73% do total), destacando-se os municípios de Sumé, com 97 alunos cadastrados (39% do total) e Serra Branca, com 31 alunos cadastrados (12% do total).

Assim, a grande lição do Vestibular Especial 2009 é que a Paraíba e, particularmente, o Cariri apresentam não apenas uma expressiva demanda por ensino superior, mas uma população preparada para concorrer com sucesso às vagas disponibilizadas pelas Instituições. Resta a nós, educadores e administradores, criarmos as condições necessárias para o sucesso desses jovens que responderam tão competentemente ao nosso chamado, não frustrando suas expectativas nem apagando suas esperanças. O primeiro passo, aliás condição sine qua non, é termos a garantia de que os docentes e servidores técnico-administrativos concursados sejam nomeados a tempo para o início do semestre letivo 2009.2.