quinta-feira, 1 de abril de 2021

O jejum, o lockdown e a apostasia dos violentos, por Lenon Andrade


Era o ano de 1963. Enéas Tognini, pastor membro da conservadora Convenção Batista Brasileira, convoca os evangélicos do país para um jejum de salvação nacional do perigo comunista, vendido pela propaganda do movimento autoritário de 1964 como justificativa para atacar a Constituição Federal, destruir o estado democrático de direito e derrubar um presidente democraticamente eleito pelo povo. Foi assim que, quatro meses depois da dita convocação, João Goulart foi deposto e o Brasil mergulhou em 20 anos de ditadura militar, marcada por supressão de liberdades individuais, perseguição política, prisões injustas, torturas e assassinatos de homens, jovens e mulheres, inclusive evangélicos, que ousaram se levantar contra o regime.

O jejum dos profetas, atualizado no Evangelho de Jesus, nada tem a ver com a defesa da injustiça e do arbítrio! O profeta Isaías, por exemplo, é claro na convocação nacional dos filhos de Israel a respeito do sentido do jejum:

“O povo pergunta a Deus: Que adianta jejuar, se tu nem notas? Por que passar fome, se não te importas com isso?"

O Senhor responde:

A verdade é que nos dias de jejum vocês cuidam dos seus negócios e exploram os seus empregados. Vocês passam os dias de jejum discutindo e brigando e chegam até a bater uns nos outros. Será que vocês pensam que, quando jejuam assim, eu vou ouvir as suas orações? O que é que eu quero que vocês façam nos dias de jejum? Será que desejo que passem fome, que se curvem como um bambu, que vistam roupa feita de pano grosseiro e se deitem em cima de cinzas? É isso o que vocês chamam de jejum? Acham que um dia de jejum assim me agrada? Não! Não é esse o jejum que eu quero!

Eu quero que soltem aqueles que foram presos injustamente, que tirem de cima deles o peso que os faz sofrer, que ponham em liberdade os que estão sendo oprimidos, que acabem com todo tipo de escravidão. O jejum que me agrada é que vocês repartam a sua comida com os famintos, que recebam em casa os pobres que estão desabrigados, que deem roupas aos que não têm e que nunca deixem de socorrer os seus parentes.” (Isaías 58:3-7).

A clareza da proclamação profética contrasta radicalmente com a verborragia evangélica que apoia um jejum nacional em defesa do arbítrio liderada por um presidente violento que debocha da morte, enquanto realiza a festa da indiferença diante das perdas de vidas do povo brasileiro para a Covid-19. Por isso, a atualidade da denúncia profética alinhavada nestas linhas!

Para nada serve um jejum nacional, carregado de enganação verborrágica, liderado por fariseus contemporâneos, ávidos de holofotes e dos benefícios oriundos dos seus projetos de poder! Nenhum jejum que não esteja ligado à defesa e à proteção da vida tem valor algum. Nenhum jejum que desconsidere as ações das aves de rapina do sistema financeiro e da elite sanguessuga contra o nosso povo é digno de crédito, justamente porque é contra a ganância manifesta no egoísmo diabólico desses grupos, servos do deus do dinheiro e da riqueza, que a voz da profecia ecoa neste texto!

Defender o lockdown como ato de amor e preservação da vida, quando necessário, é ministério profético de todo(a) verdadeiro(a) seguidor(a) de Jesus de Nazaré. Mobilizar a Igreja para unir-se às periferias abandonadas pelo Estado, que passam necessidades, saciando-lhes a fome, é sinônimo de jejum autêntico e libertador. Fazer o jejum silencioso, na solidão de Deus, como exercício de reflexão sobre a vida concreta e como esvaziamento radical do ser egoísta que nos habita é o passo primeiro para a transformação da própria vida para tornar-se um evangelho vivo a ser comunicado ao mundo! Esse é o jejum que aprendo com a Bíblia. O contrário disso não passa de apostasia fundamentalista!


Lenon Andrade é pastor evangélico Batista, membro do CEBI - Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos e dirigente municipal do PT de Campina Grande.


Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Blog.

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