Ontem realizamos um debate na UFCG em que procuramos analisar "as várias faces do golpe". Coube a mim interpretá-lo sob o ponto de vista sociológico, o que fiz esposando a tese de que o golpe é, fundamentalmente, uma expressão da luta de classes no Brasil. Aqui faço um resumo de minha abordagem, disponibilizando os slides que apresentei no debate.
Parti da premissa de que, ao romperem com o formulário neoliberal, os governos trabalhistas de Lula e Dilma apresentaram resultados econômicos expressivamente melhores do que os governos que os antecederam (ver post anterior) e, implementando políticas públicas de forte impacto social, produziram o seu maior legado: um extraordinário processo de ascensão social.
Um aspecto importante deste processo foi que a ascensão social propiciou a abertura de espaços historicamente interditados aos chamados "excluídos", pois como bem definiram NERI e SOUSA (2012), esta foi a "década inclusiva", pois “a renda de grupos tradicionalmente excluídos que tinham ficado para trás foi a que mais prosperou no período, em particular, negros, analfabetos, crianças, nordestinos e moradores do campo”.
Isto incomodou nossa classe dominante, a chamada "elite branca", historicamente autoritária, segregacionista, conservadora, preconceituosa e exploradora, cujo arquétipo é a família patriarcal escravocrata. Por exemplo, passaram os ricos a torcer narizes frente à invasão de seus espaços "exclusivos" por pobres, negros, nordestinos e quetais. Como escreveu a socialite Danuza Leão "Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?"
Mas não foi só isso. Incomodaram-se muito com a ampliação dos direitos dos trabalhadores, notadamente a equiparação das empregadas domésticas à CLT, e com as políticas de renda mínima, como o Bolsa Família. Ora, está cada vez mais difícil encontrar mortos de fome que se submetem a qualquer salário e condições de trabalho para lhes servir como escravos. E isso, para a elite branca, o 1% da população, é inadmissível.
Mas não foi só isso. Incomodaram-se muito com a ampliação dos direitos dos trabalhadores, notadamente a equiparação das empregadas domésticas à CLT, e com as políticas de renda mínima, como o Bolsa Família. Ora, está cada vez mais difícil encontrar mortos de fome que se submetem a qualquer salário e condições de trabalho para lhes servir como escravos. E isso, para a elite branca, o 1% da população, é inadmissível.
Assim, o golpe é apenas um instrumento da elite para "por ordem" na Casa Grande, e portanto, expressa tão somente a luta de classes.
Hoje leio o Veríssimo, em crônica lapidar (veja aqui), defender a mesma tese, dialogando com a História, "uma velha e pachorrenta senhora":
— Foi o fim da ilusão petista de mudar o Brasil?
— Mais, mais. Foi o fim da ilusão que qualquer governo com pretensões sociais poderia conviver, em qualquer lugar do mundo, com os donos do dinheiro e uma plutocracia conservadora, sem que cedo ou tarde houvesse um conflito, e uma tentativa de aniquilamento da discrepância. Um governo para os pobres, mais do que um incômodo político para o conservadorismo dominante, era um mau exemplo, uma ameaça inadmissível para a fortaleza do poder real. Era preciso acabar com a ameaça e jogar sal em cima. Era isso que estava acontecendo.