segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Por que a Carreira Docente Unificada da ANDES é prejudicial às Universidades e à Ciência Brasileira?


Por Rose Clívia Santos
Professora Adjunto I Setor de Física e Matemática
Departamento de Ciências Exatas e da Terra Universidade Federal de São Paulo
UNIFESP – Campus Diadema
Estou convencida que a carreira docente proposta pela ANDES é um desestímulo para a pesquisa brasileira. Entendo que os professores do ensino básico, médio e das escolas técnicas possam desejá-la intensamente, mas defenderei em qualquer fórum desse País que esta carreira não é interessante para as Universidades Federais.  Portanto, não posso concordar com a continuidade do movimento e os motivos que me fazem chegar a esta conclusão serão expostos a seguir.
O trecho inicial da proposta de projeto de Lei da ANDES  diz no seu artigo primeiro:
Art. 1º Fica consolidado o Plano de Carreira e Cargo de Professor Federal que reestrutura as carreiras e os cargos do magistério da União, incluídas suas autarquias e fundações, nos termos desta Lei. 
Todo magistério federal envolvendo o ensino básico, médio, técnico, tecnológico e a Universidade Federal se enquadraria nesse plano de carreira e cargos. Em uma primeira análise, pode parecer justo. Dois professores com a mesma titulação, um lecionando no ensino básico federal e o outro “ensinando” na Universidade, teriam o mesmo salário caso tivessem o mesmo tempo de serviço público, pois estariam exatamente no mesmo nível.  Afinal ambos são Professores Federais.
A proposta da ANDES é vendida como o melhor dos mundos.  A simplicidade é tão grande que é impossível não acender imediatamente o pisca-alerta em nosso cérebro. Esta solução final, na verdade é um tiro no pé das Universidades Federais e nos afetará cruelmente a médio e no longo prazo.
Sabemos que a carreira acadêmica é permeada por uma competição internacional. É necessário publicar, participar ou organizar congressos nacionais e internacionais, orientar teses, participar da extensão, ter envolvimento institucional além de ministrar as aulas.  Não reconhecer ou anular essa assimetria ou extrema desigualdade com o Ensino Básico é a deficiência mortal da carreira unificada.
Muitas vocações e talentos científicos se perderiam pela simples possibilidade de seguir uma carreira economicamente mais interessante, menos estressante e mais rápida. Vamos então a questão básica: Onde seria mais fácil progredir na carreira,  na Universidade ou no Ensino Básico?
Considere a seguinte situação hipotética (mas provável). Siga os passos indicados na Figura 1.
Dois jovens talentosos concluem a graduação (mesmas condições iniciais). O primeiro decide fazer mestrado e doutorado (e pelo menos um pós-doc), pois deseja ser professor Universitário. O outro, mais pragmático e já preocupado com a carreira, opta por ficar como professor no ensino básico ou médio. Como os 2 jovens evoluirão suas carreiras?










O graduado iniciará no nível 1,  recebendo mais do que uma simples bolsa e obviamente com as vantagens trabalhistas.  Já o nosso candidato a cientista levará em média mais 7 anos para terminar (mestrado, doutorado e um 1 ano de pós-doc) e  como é capacitado, vai entrar  imediatamente na Universidade (Nível 1, com doutorado em 2021).  Para simplificar, supomos que ele fez 2 anos de pós-doc (o resultado final não será muito diferente se considerarmos 1 ano).
Repetindo, após 8 anos o nosso Doutor com Pós-doc terá entrado na Universidade – Nível 1 (com doutorado) enquanto o  nosso graduado (igualmente talentoso)  já terá  subido 4 posições e estará no nível 5.   Embora em ritmo mais lento, poderá até ter feito  o Mestrado pois  afinal foram 8 anos.  Assim, pedirá afastamento para fazer o doutorado  e já  durante o curso contará preciosos níveis a cada 2 anos. Portanto, ao final dos 4 anos terá seu título de doutor e estará agora no nível 7 (levou 12 anos para concluir o doutorado e atingir esse nível).  Nesse tempo, o nosso “cientista desavisado” (convivendo com todas as atribulações acadêmicas) atingirá  o nível  3. Isto se conseguir, pois sabemos que a carreira  na Universidade é  certamente mais exigente.
Ao fim e ao cabo, o nosso graduado pragmático (sem ter tido o estresse de viver 8 anos com bolsa) estará ganhando mais (pois será nível 7 com doutorado!) e fatalmente chegará ao nível 13 de sua carreira no ensino básico  8  anos antes e  com o mesmo salário que um dia obterá o nosso candidato a cientista (8 anos depois).
Na figura acima vemos a evolução dos dois professores. A linha preta marca a evolução do graduado que optou por entrar imediatamente no ensino federal (básico ou médio) e a verde (iniciando em 2021) representa a evolução do recém-doutor com Pós-doc.   Note também que a mudança de nível, de acordo com a última versão do projeto da ANDES a cada 2 anos.
Existem outras configurações onde o docente do magistério superior (MS) estará em desvantagem. Não tenham dúvidas que essa assimetria será imediatamente percebida pelos mais jovens e vai determinar escolhas futuras.
É por isso pessoal que essa carreira é perfeita para o ensino básico e um tiro no pé das Universidades.  Inevitavelmente, impactará negativamente na formação de nossos recursos humanos em Ciência e Tecnologia (C&T). Além disso, uma vez sendo aceita a Unificação, a ANDES terá a eterna gratidão do ensino básico, médio e técnico, passando simbioticamente a ser deles dependente. No futuro seremos minoritários (como já estamos na eminência de ser). Lembrem que de uma tacada só o governo Lula construiu mais de 200 escolas técnicas e mais unidades são necessárias  e deverão ser construídas Brasil afora.  Passaremos então a ouvir coisas do tipo: Olha, mas se temos a mesma atribuição e a mesma carreira, os docentes das Universidades também devem ter a mesma carga horária. Nada mais justo!  Esse será o golpe final na pesquisa realizada nas Universidades Federais.  Retrucaremos dizendo sim, mas nós temos outras atribuições e imediatamente escutaremos: nós também, cara pálida!  Convenhamos que não será impossível  provar isto.  Basta escolher cuidadosamente os argumentos e usar a força da maioria.
Por que isso não foi percebido antes? Porque a ANDES quer empurrar a carreira goela abaixo dos docentes Universitários, sem discussão, feito um rolo compressor. Pior, usando os números da greve para nos pressionar e manter calados, o que lhe permite cobrir o velório da pesquisa com o manto sagrado da justiça social.  De fato, tentei discutir várias vezes essa contradição da carreira em assembleias da UNIFESP.  Um dos argumentos contra que ouvi (e depois verifiquei que está no InforANDES de março de 2011) é que a carreira unificada foi aprovada por unanimidade no 30º congresso da ANDES. Ou seja, na falta de um argumento consistente, se usa a força de uma maioria completamente orientada com a proposta.
A defesa obcecada dessa carreira é inadmissível.  Parece que as consequências para a Universidade não foram analisadas com a devida profundidade.  Isto não ocorreu por culpa dos docentes e sim porque as discussões de fundo estão sendo evitadas ao longo dessa greve. Tudo é meio pirotécnico. No calor das assembleias o que importa é empurrar o movimento adiante.
Afirmei também em assembleias da UNIFESP que o governo jamais aceitará esta carreira unificada. Creio também que todo Governo sério, realmente preocupado com uma política científica de estado e qualquer que seja sua orientação política (direita, centro-direita, centro, centro-esquerda ou de esquerda), jamais concordará com tamanha insanidade. Isso não é compatível com um mundo globalizado, onde um povo sem C&T passará a ser na prática os verdadeiros indígenas do século XXI. Nossos ancestrais Pré-colombianos, apesar da cultura vigorosa enquanto visão filosófica do mundo, foram aniquilados devido ao desconhecimento da ciência e da técnica dos “bárbaros europeus”.
Aprendi numa Universidade Federal Nordestina, que nós docentes das Universidades Públicas Brasileiras temos o dever para com o nosso povo de alavancar e defender as conquistas do País na área de recursos humanos para C&T. Somos nós professores das Universidades Federais, juntamente com as Estaduais e os institutos de Pesquisa do MCT, que entendemos mais claramente a sua importância. Portanto, somos os interlocutores naturais dessa inter-relação simbiótica entre Ciência e Desenvolvimento1.
No meu entender, não podemos permitir que a ANDES continue pressionando o governo a passar essa carreira. Continuar a greve agora tendo a carreira unificada como uma das justificativas é uma espécie de marcha da insensatez. Não podemos seguir essa rota. Essa carreira é ruim para as Universidades e para o País.
Sua defesa é muito interessante para a ANDES que provavelmente passará a representar quase todo o magistério da União. Isto representará milhares de novos associados extremamente fiéis, oriundos dos ensinos básico e médio.  Naturalmente, um grande  número de associados representa poder para turbinar ações políticas. Portanto, é até compreensível que isso seja buscado. No entanto, é preciso cautela e muito cuidado na ação política concreta.  Ter grande representatividade não implica necessariamente numa defesa positiva das Universidades Federais e muito menos da Nação como um todo enquanto Estado imerso nesse mundo globalizado e mutante.
NÃO acredito que o Governo Federal reabra negociações para discutir uma carreira que prejudique as Universidades Federais e seu parque científico e tecnológico obtido a custas do suor e do trabalho do povo brasileiro e de pesquisadores experientes que foram beneficiados por uma política de sucesso (CAPES-PICD/CNPq),  cuja  implementação foi iniciada há cerca de 40 anos atrás (1974)2.
Mais ganhos salariais? Até poderia ser, mas não nessa conjuntura de crise, onde professores Universitários europeus estão diminuindo o salário e a carreira docente no Brasil se tornando cada vez mais valiosa e atrativa para estrangeiros. Obtivemos ganhos reais. Contando de Adjunto I até Titular, por exemplo, o acordo garante entre 31% e 40%. O MEC e seus auxiliares sabem que os melhores pesquisadores deste País estão ocupados demais com a própria pesquisa para lutarem ou cuidarem dos interesses das novas gerações  e,  portanto, não estão participando dessa greve (a maioria até porque já fizeram uma carreira!).  Além disso, já temos uma carreira compatível com a modernidade.
Graças ao nosso movimento não teremos a partir de agora concurso para professor Titular (Ver Acordo em anexo, Acordo.pdf). A passagem para o último nível virá através de progressão como no mundo inteiro.  A única exceção  é a  reserva dos 5%, a qual será esporadicamente utilizado para criação de uma nova área de pesquisa, o que é bastante salutar. Apenas neste caso um professor externo poderá se candidatar. Esse foi um dos ganhos da greve que a ANDES insiste em não reconhecer.
Acredito que deveríamos agora organizar a saída, pois não existem mais vantagens a serem conquistadas. Creio também que nós docentes das Universidades Federais precisamos tercoragem suficiente para dizer a ANDES que não queremos participar da Carreira Unificada. Tudo bem que proponham uma nova carreira docente (mais decente) para os ensinos básico, médio, técnico e tecnológico a nível federal. Isso é justo, urgente e necessário, pois servirá de exemplo para a educação que queremos para nossos filhos. Mas a carreira Acadêmica existente é adequada e já segue o padrão internacional.  Precisamos de 2 carreiras pois os objetivos são distintos. Temos também a certeza que nossos alunos já foram demasiadamente penalizados com essa greve, tendo como pano de fundo a construção de um grande mito: A Carreira Unificada.  Não poderia dar certo3.
Rose Clívia Santos – Profa. Adjunto I
UNIFESP – Campus Diadema
1Nesse sentido seria interessante estimular os alunos a lerem o livro do Físico brasileiro Leite Lopes – Ciência e Libertação (1968), ou ainda Ciência e Desenvolvimento do Físico e Filósofo da Ciência argentino Mario Bunge (Itatiaia, 1980), isto para citar apenas autores latino americanos. Embora antigos e, portanto, com alguns temas atuais não discutidos (ex. biodiversidade, fontes alternativas de energia, clima, etc), creio que a leitura deles ajudará os estudantes a perceberem o nosso contexto, evitando no futuro descaminhos que nos reconduzam ao atraso.
2Sobre as políticas da CAPES ver o texto recente de Angela Santana e Humberto Falcão Martins (2012) denominado,  “Gestão Estratégica e Políticas Públicas: A CAPES e a Política de Formação de Recursos  Humanos para o Desenvolvimento do País”.
3Esclareço que não sou filiada a partidos, nem a ANDES e nem ao PROIFES.