terça-feira, 27 de novembro de 2012

Educação, Direitos Humanos e Cidadania no Semiárido - Prefácio


A Universidade Federal de Campina Grande tem uma forte tradição extensionista, com fundamentos fincados na sua origem mais remota, a Escola Politécnica de Campina Grande (POLI), criada em 1952 a partir da mobilização da sociedade civil organizada, numa conjuntura em que a cidade se destacava como o principal polo de desenvolvimento do interior do Nordeste e um dos mais dinâmicos do Brasil.
No auge do “Ciclo do algodão”, Campina Grande era chamada de Liverpool brasileira, por ser a segunda maior exportadora mundial da fibra. No quadriênio 1950/1954, o município contribuía com 1/3 da receita fiscal do Estado e, em 1955, sua arrecadação de impostos foi maior do que a de seis capitais nordestinas (Aracaju, Maceió, João Pessoa, Natal, Teresina e São Luís), superando ainda Florianópolis, Manaus e Cuiabá. Em 1959 havia 111 estabelecimentos industriais na cidade, contra 93 em João Pessoa. Aliás, a pujança industrial de Campina Grande era tão expressiva, que a única sede de Federação das Indústrias fora de uma capital de Estado no Brasil foi ali implantada, em 1949, permanecendo até hoje na cidade.
Assim, de acordo com documentos da época, a criação da Escola Politécnica de Campina Grande visava cumprir um duplo objetivo: oferecer educação superior aos jovens campinenses e ser um instrumento de desenvolvimento para a região, isto é, assumindo um perfil institucional claramente extensionista. A escolha do curso de Engenharia Civil para inaugurar o ensino superior na cidade representa a cabal demonstração deste fato. Em face do número expressivo de obras públicas então em andamento na órbita da cidade (açude Epitácio Pessoa, em Boqueirão, a abertura da Rodovia Central da Paraíba, atual BR-230, a construção do ramal ferroviário Campina Grande-Patos, dentre outras) e o aquecido mercado imobiliário da cidade, movimentado pelo dinheiro do algodão, oferecia um amplo campo de trabalho para os egressos, que, além da inserção profissional regular como profissionais liberais, poderiam atuar diretamente no processo de desenvolvimento local, como verdadeiros protagonistas da implantação da infraestrutura que visava sustentar o progresso regional.  Com efeito, a própria construção do modernista edifício sede da POLI foi projetada e executada por um “Escritório Técnico” formado por professores e estudantes do curso de Engenharia Civil, criado em 1954.
A partir da fundação da Faculdade de Ciências Econômicas de Campina Grande (FACE), em 1955 e da criação, no final do mesmo ano, da Universidade da Paraíba, congregando várias escolas superiores isoladas em João Pessoa, Campina Grande e Areia, o compromisso do ensino superior campinense com o desenvolvimento local ganha novas cores, enriquecido pela reflexão humanística. De fato, em 1956 é criado o “Grupo Desenvolvimentista Campinense”, com presença de professores e alunos da POLI e da FACE, após a realização do Iº Encontro de Bispos do Nordeste em Campina Grande, com a presença do Presidente Juscelino Kubitscheck, que teve como decorrência a criação do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), origem da SUDENE. O Grupo Desenvolvimentista Campinense atuou intensamente na reflexão sobre o desenvolvimento local e, em 1958, no “pico” de uma grande seca, é oferecido o primeiro Curso de Extensão de que se tem notícia na Instituição, denominado “Problemas do Nordeste”, o qual se tornaria uma disciplina regular do currículo de Engenharia da POLI.
Depois da federalização da Universidade da Paraíba em 1960, um dos últimos atos do governo JK, o primeiro novo curso criado em Campina Grande foi o de Sociologia e Política da FACE, em 1962, que daria um tom de engajamento social e espírito crítico ao campus campinense, numa época efervescente da vida nacional.
Mas, o regime de exceção implantado em 1964 viria a inibir fortemente o viés desenvolvimentista da escola superior, particularmente no campo humanístico, tolhendo suas interações mais orgânicas com a sociedade e suas organizações. Entretanto, ainda durante o período ditatorial, um reitor visionário viria a reconfigurar o perfil da Instituição, revitalizando sua vocação interacionista e seu compromisso com o desenvolvimento local.
Entre 1976 e 1980, Lynaldo Cavalcanti transformou a Universidade Federal da Paraíba, colocando-a entre as maiores do Brasil, com sua inédita estrutura multicampi. Expandiu e interiorizou, fundando os campi de Bananeiras, Patos, Sousa e Cajazeiras. Com a instalação de mais de 20 núcleos interdisciplinares, a universidade reconstruía os caminhos da excelência na pesquisa e extensão e, em plena ditadura militar, a universidade se politizava com a nomeação de professores de alto nível, muitos deles de esquerda, alguns voltando do exílio e outros saindo do ostracismo forçado pelo regime de exceção.
Já nos estertores do interregno ditatorial, contando com esse novo caldo cultural, a extensão universitária se restauraria vivamente no Campus II da UFPB, notadamente nas áreas tecnológicas, com o desenvolvimento e difusão de tecnologias apropriadas para o Semiárido, e na área humanística, com uma forte interação com os movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Essas duas vertentes da extensão universitária confluíam para as camadas mais desfavorecidas da população residente na região mais pobre do país, renovando os compromissos proativos da Instituição com o desenvolvimento local e a inclusão social.
Com a criação da UFCG em 2002 por desmembramento da UFPB, congregando os campi de Campina Grande, Patos, Sousa e Cajazeiras, um novo ciclo institucional se inicia e o reitorado pro tempore de Thompson Mariz mostrar-se-ia amplamente favorável às ações de extensão. Digo isso “a cavaleiro” porque tive a felicidade e a honra de contar com o seu entusiasmo, apoio e parceria na construção do Projeto Universidade Camponesa (UNICAMPO), uma ambiciosa ação de extensão universitária compartilhada com o CIRAD, instituição francesa com a qual mantínhamos um convênio de cooperação. O campus avançado implantado em solenidade presidida pelo jovem reitor na Escola Agrotécnica de Sumé em setembro de 2003 para o desenvolvimento das atividades do projeto seria a “cabeça de ponte” do Plano de Expansão Institucional (PLANEXP) da UFCG, através do qual criaríamos três novos campi entre 2006 e 2009: Cuité, Pombal e Sumé. Profecia autorrealizável que cometemos numa reunião com Thompson Mariz em 2003 quando apresentamos pela primeira vez o projeto de extensão, seu apelo foi tão fundo, que sensibilizou o reitor a ponto de motivá-lo a pedir audiência com o então ministro da Educação, Cristóvão Buarque, para que eu, ao lado dele e do legendário Lynaldo Cavalcanti, apresentasse a ideia ao próprio ministro. No dia 03/09/2003, o Correio da Paraíba noticiou a memorável audiência, estampando uma manchete ainda mais profética que a minha: “Universidade deverá ser criada na cidade de Sumé”.
E assim foi. Do projeto de extensão UNICAMPO, surgiram os três novos campi da Instituição, entre os quais o de Sumé, onde estão lotados os professores e matriculados os estudantes que nos brindam com os trabalhos publicados neste instigante Educação, Direitos Humanos e Cidadania no Semiárido, fruto de projetos aprovados no Programa de Extensão Universitária (PROEXT) em 2011, quando o Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA) contava com pouco mais de um ano de funcionamento.
São reflexões sobre projetos de extensão que estão agindo concretamente sobre questões cruciais da vida social da região, como o pleno acesso à educação pelos deficientes auditivos, que inclusive redundou num convênio entre o CDSA/UFCG e a Prefeitura Municipal de Sumé para a criação de uma escola bilíngue que atualmente atende a estudantes surdos de todo o Cariri paraibano, a inclusão educacional de sujeitos com deficiências mentais e as problemáticas da violência, do poder, da cidadania e dos direitos humanos, enfeixadas no âmbito do Centro de Direitos Humanos do Cariri Paraibano, instalado no CDSA em parceria com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República.
Os trabalhos aqui publicados demonstram que a vocação extensionista da UFCG está cada vez mais viva, renovando-se a cada dia seu compromisso proativo com os segmentos sociais mais vulneráveis e excluídos, compromisso este agora revigorado com os novos atores de “dentro” e de “fora” da Instituição, incluídos no processo de ensino, pesquisa e extensão pela democratização do acesso a ela, propiciado pela recente expansão institucional, que, trilhando os caminhos da interiorização, encontra e procura transformar este lindo, mas sofrido Brasil mais profundo.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Por que a Carreira Docente Unificada da ANDES é prejudicial às Universidades e à Ciência Brasileira?


Por Rose Clívia Santos
Professora Adjunto I Setor de Física e Matemática
Departamento de Ciências Exatas e da Terra Universidade Federal de São Paulo
UNIFESP – Campus Diadema
Estou convencida que a carreira docente proposta pela ANDES é um desestímulo para a pesquisa brasileira. Entendo que os professores do ensino básico, médio e das escolas técnicas possam desejá-la intensamente, mas defenderei em qualquer fórum desse País que esta carreira não é interessante para as Universidades Federais.  Portanto, não posso concordar com a continuidade do movimento e os motivos que me fazem chegar a esta conclusão serão expostos a seguir.
O trecho inicial da proposta de projeto de Lei da ANDES  diz no seu artigo primeiro:
Art. 1º Fica consolidado o Plano de Carreira e Cargo de Professor Federal que reestrutura as carreiras e os cargos do magistério da União, incluídas suas autarquias e fundações, nos termos desta Lei. 
Todo magistério federal envolvendo o ensino básico, médio, técnico, tecnológico e a Universidade Federal se enquadraria nesse plano de carreira e cargos. Em uma primeira análise, pode parecer justo. Dois professores com a mesma titulação, um lecionando no ensino básico federal e o outro “ensinando” na Universidade, teriam o mesmo salário caso tivessem o mesmo tempo de serviço público, pois estariam exatamente no mesmo nível.  Afinal ambos são Professores Federais.
A proposta da ANDES é vendida como o melhor dos mundos.  A simplicidade é tão grande que é impossível não acender imediatamente o pisca-alerta em nosso cérebro. Esta solução final, na verdade é um tiro no pé das Universidades Federais e nos afetará cruelmente a médio e no longo prazo.
Sabemos que a carreira acadêmica é permeada por uma competição internacional. É necessário publicar, participar ou organizar congressos nacionais e internacionais, orientar teses, participar da extensão, ter envolvimento institucional além de ministrar as aulas.  Não reconhecer ou anular essa assimetria ou extrema desigualdade com o Ensino Básico é a deficiência mortal da carreira unificada.
Muitas vocações e talentos científicos se perderiam pela simples possibilidade de seguir uma carreira economicamente mais interessante, menos estressante e mais rápida. Vamos então a questão básica: Onde seria mais fácil progredir na carreira,  na Universidade ou no Ensino Básico?
Considere a seguinte situação hipotética (mas provável). Siga os passos indicados na Figura 1.
Dois jovens talentosos concluem a graduação (mesmas condições iniciais). O primeiro decide fazer mestrado e doutorado (e pelo menos um pós-doc), pois deseja ser professor Universitário. O outro, mais pragmático e já preocupado com a carreira, opta por ficar como professor no ensino básico ou médio. Como os 2 jovens evoluirão suas carreiras?










O graduado iniciará no nível 1,  recebendo mais do que uma simples bolsa e obviamente com as vantagens trabalhistas.  Já o nosso candidato a cientista levará em média mais 7 anos para terminar (mestrado, doutorado e um 1 ano de pós-doc) e  como é capacitado, vai entrar  imediatamente na Universidade (Nível 1, com doutorado em 2021).  Para simplificar, supomos que ele fez 2 anos de pós-doc (o resultado final não será muito diferente se considerarmos 1 ano).
Repetindo, após 8 anos o nosso Doutor com Pós-doc terá entrado na Universidade – Nível 1 (com doutorado) enquanto o  nosso graduado (igualmente talentoso)  já terá  subido 4 posições e estará no nível 5.   Embora em ritmo mais lento, poderá até ter feito  o Mestrado pois  afinal foram 8 anos.  Assim, pedirá afastamento para fazer o doutorado  e já  durante o curso contará preciosos níveis a cada 2 anos. Portanto, ao final dos 4 anos terá seu título de doutor e estará agora no nível 7 (levou 12 anos para concluir o doutorado e atingir esse nível).  Nesse tempo, o nosso “cientista desavisado” (convivendo com todas as atribulações acadêmicas) atingirá  o nível  3. Isto se conseguir, pois sabemos que a carreira  na Universidade é  certamente mais exigente.
Ao fim e ao cabo, o nosso graduado pragmático (sem ter tido o estresse de viver 8 anos com bolsa) estará ganhando mais (pois será nível 7 com doutorado!) e fatalmente chegará ao nível 13 de sua carreira no ensino básico  8  anos antes e  com o mesmo salário que um dia obterá o nosso candidato a cientista (8 anos depois).
Na figura acima vemos a evolução dos dois professores. A linha preta marca a evolução do graduado que optou por entrar imediatamente no ensino federal (básico ou médio) e a verde (iniciando em 2021) representa a evolução do recém-doutor com Pós-doc.   Note também que a mudança de nível, de acordo com a última versão do projeto da ANDES a cada 2 anos.
Existem outras configurações onde o docente do magistério superior (MS) estará em desvantagem. Não tenham dúvidas que essa assimetria será imediatamente percebida pelos mais jovens e vai determinar escolhas futuras.
É por isso pessoal que essa carreira é perfeita para o ensino básico e um tiro no pé das Universidades.  Inevitavelmente, impactará negativamente na formação de nossos recursos humanos em Ciência e Tecnologia (C&T). Além disso, uma vez sendo aceita a Unificação, a ANDES terá a eterna gratidão do ensino básico, médio e técnico, passando simbioticamente a ser deles dependente. No futuro seremos minoritários (como já estamos na eminência de ser). Lembrem que de uma tacada só o governo Lula construiu mais de 200 escolas técnicas e mais unidades são necessárias  e deverão ser construídas Brasil afora.  Passaremos então a ouvir coisas do tipo: Olha, mas se temos a mesma atribuição e a mesma carreira, os docentes das Universidades também devem ter a mesma carga horária. Nada mais justo!  Esse será o golpe final na pesquisa realizada nas Universidades Federais.  Retrucaremos dizendo sim, mas nós temos outras atribuições e imediatamente escutaremos: nós também, cara pálida!  Convenhamos que não será impossível  provar isto.  Basta escolher cuidadosamente os argumentos e usar a força da maioria.
Por que isso não foi percebido antes? Porque a ANDES quer empurrar a carreira goela abaixo dos docentes Universitários, sem discussão, feito um rolo compressor. Pior, usando os números da greve para nos pressionar e manter calados, o que lhe permite cobrir o velório da pesquisa com o manto sagrado da justiça social.  De fato, tentei discutir várias vezes essa contradição da carreira em assembleias da UNIFESP.  Um dos argumentos contra que ouvi (e depois verifiquei que está no InforANDES de março de 2011) é que a carreira unificada foi aprovada por unanimidade no 30º congresso da ANDES. Ou seja, na falta de um argumento consistente, se usa a força de uma maioria completamente orientada com a proposta.
A defesa obcecada dessa carreira é inadmissível.  Parece que as consequências para a Universidade não foram analisadas com a devida profundidade.  Isto não ocorreu por culpa dos docentes e sim porque as discussões de fundo estão sendo evitadas ao longo dessa greve. Tudo é meio pirotécnico. No calor das assembleias o que importa é empurrar o movimento adiante.
Afirmei também em assembleias da UNIFESP que o governo jamais aceitará esta carreira unificada. Creio também que todo Governo sério, realmente preocupado com uma política científica de estado e qualquer que seja sua orientação política (direita, centro-direita, centro, centro-esquerda ou de esquerda), jamais concordará com tamanha insanidade. Isso não é compatível com um mundo globalizado, onde um povo sem C&T passará a ser na prática os verdadeiros indígenas do século XXI. Nossos ancestrais Pré-colombianos, apesar da cultura vigorosa enquanto visão filosófica do mundo, foram aniquilados devido ao desconhecimento da ciência e da técnica dos “bárbaros europeus”.
Aprendi numa Universidade Federal Nordestina, que nós docentes das Universidades Públicas Brasileiras temos o dever para com o nosso povo de alavancar e defender as conquistas do País na área de recursos humanos para C&T. Somos nós professores das Universidades Federais, juntamente com as Estaduais e os institutos de Pesquisa do MCT, que entendemos mais claramente a sua importância. Portanto, somos os interlocutores naturais dessa inter-relação simbiótica entre Ciência e Desenvolvimento1.
No meu entender, não podemos permitir que a ANDES continue pressionando o governo a passar essa carreira. Continuar a greve agora tendo a carreira unificada como uma das justificativas é uma espécie de marcha da insensatez. Não podemos seguir essa rota. Essa carreira é ruim para as Universidades e para o País.
Sua defesa é muito interessante para a ANDES que provavelmente passará a representar quase todo o magistério da União. Isto representará milhares de novos associados extremamente fiéis, oriundos dos ensinos básico e médio.  Naturalmente, um grande  número de associados representa poder para turbinar ações políticas. Portanto, é até compreensível que isso seja buscado. No entanto, é preciso cautela e muito cuidado na ação política concreta.  Ter grande representatividade não implica necessariamente numa defesa positiva das Universidades Federais e muito menos da Nação como um todo enquanto Estado imerso nesse mundo globalizado e mutante.
NÃO acredito que o Governo Federal reabra negociações para discutir uma carreira que prejudique as Universidades Federais e seu parque científico e tecnológico obtido a custas do suor e do trabalho do povo brasileiro e de pesquisadores experientes que foram beneficiados por uma política de sucesso (CAPES-PICD/CNPq),  cuja  implementação foi iniciada há cerca de 40 anos atrás (1974)2.
Mais ganhos salariais? Até poderia ser, mas não nessa conjuntura de crise, onde professores Universitários europeus estão diminuindo o salário e a carreira docente no Brasil se tornando cada vez mais valiosa e atrativa para estrangeiros. Obtivemos ganhos reais. Contando de Adjunto I até Titular, por exemplo, o acordo garante entre 31% e 40%. O MEC e seus auxiliares sabem que os melhores pesquisadores deste País estão ocupados demais com a própria pesquisa para lutarem ou cuidarem dos interesses das novas gerações  e,  portanto, não estão participando dessa greve (a maioria até porque já fizeram uma carreira!).  Além disso, já temos uma carreira compatível com a modernidade.
Graças ao nosso movimento não teremos a partir de agora concurso para professor Titular (Ver Acordo em anexo, Acordo.pdf). A passagem para o último nível virá através de progressão como no mundo inteiro.  A única exceção  é a  reserva dos 5%, a qual será esporadicamente utilizado para criação de uma nova área de pesquisa, o que é bastante salutar. Apenas neste caso um professor externo poderá se candidatar. Esse foi um dos ganhos da greve que a ANDES insiste em não reconhecer.
Acredito que deveríamos agora organizar a saída, pois não existem mais vantagens a serem conquistadas. Creio também que nós docentes das Universidades Federais precisamos tercoragem suficiente para dizer a ANDES que não queremos participar da Carreira Unificada. Tudo bem que proponham uma nova carreira docente (mais decente) para os ensinos básico, médio, técnico e tecnológico a nível federal. Isso é justo, urgente e necessário, pois servirá de exemplo para a educação que queremos para nossos filhos. Mas a carreira Acadêmica existente é adequada e já segue o padrão internacional.  Precisamos de 2 carreiras pois os objetivos são distintos. Temos também a certeza que nossos alunos já foram demasiadamente penalizados com essa greve, tendo como pano de fundo a construção de um grande mito: A Carreira Unificada.  Não poderia dar certo3.
Rose Clívia Santos – Profa. Adjunto I
UNIFESP – Campus Diadema
1Nesse sentido seria interessante estimular os alunos a lerem o livro do Físico brasileiro Leite Lopes – Ciência e Libertação (1968), ou ainda Ciência e Desenvolvimento do Físico e Filósofo da Ciência argentino Mario Bunge (Itatiaia, 1980), isto para citar apenas autores latino americanos. Embora antigos e, portanto, com alguns temas atuais não discutidos (ex. biodiversidade, fontes alternativas de energia, clima, etc), creio que a leitura deles ajudará os estudantes a perceberem o nosso contexto, evitando no futuro descaminhos que nos reconduzam ao atraso.
2Sobre as políticas da CAPES ver o texto recente de Angela Santana e Humberto Falcão Martins (2012) denominado,  “Gestão Estratégica e Políticas Públicas: A CAPES e a Política de Formação de Recursos  Humanos para o Desenvolvimento do País”.
3Esclareço que não sou filiada a partidos, nem a ANDES e nem ao PROIFES.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O Nascimento da UFCG

Hoje, dia do aniversário de dez anos da UFCG, publico o terceiro post sobre a história da Instituição (acesse As origens da UFCG e O salto quântico da UFPB). Para a construção deste texto, vali-me de minhas lembranças sobre o processo e dos documentos disponíveis no portal da UFCG (que serão referenciados posteriormente). Contei também com informações de Thompson Mariz e José Edílson Amorim (os quais entrevistei sobre o assunto em maio de 2009) e Bráulio Maia Júnior, Wagner Braga Batista e Hermano Nepomuceno, com quem conversei nesta semana sobre a criação da UFCG. Agradeço a todos, eximindo-os, evidentemente, de qualquer responsabilidade sobre as ideias aqui expostas.


Corriam os anos noventa. Findo o ciclo discricionário das ditaduras militares na América Latina que, depois de trucidarem as liberdades democráticas no continente, deixaram como saldo a chamada “década perdida” – os anos de profunda estagnação econômica, retração da atividade industrial, amplo desemprego, perda do poder de consumo da população, hiperinflação, dívida externa galopante e a própria queda do Produto Interno Bruto – os governos neoliberais, então hegemônicos, elegeram o déficit público como o grande vilão a ser combatido.
De fato, como em outros momentos críticos da história dos países emergentes, os governos gastavam muito mais do que arrecadavam, e a solução encontrada pelos neoliberais foi o estabelecimento do chamado “Estado mínimo”, isto é, a implantação de uma estrutura estatal puramente gerencial, o que enxugaria os gastos do governo, superando a crise em que os países estavam mergulhados. Entre as tantas consequências desse processo, o que não cabe aqui analisar, o impacto nas universidades federais foi o chamado “processo de sucateamento”, constituído pela drástica redução do financiamento em custeio e capital para as IFES e pelo arrocho salarial, gerando um período extremamente conturbado, entrecortado por greves frequentes e periódicas.
Foi nesse contexto que a UFCG seria gestada, embora não possamos deixar de citar a iniciativa pioneira do deputado Otacílio Nóbrega de Queiroz, que ao apresentar um projeto de Lei em 1975 com a proposta de criação da Fundação Universidade Federal de Campina Grande - que seria formada pela fusão do Campus II da UFPB com a Universidade Regional do Nordeste, predecessora da UEPB – inscreveu o designativo pela primeira vez nos Anais da República. Também não devemos esquecer que ele mesmo reeditaria a propositura em 1984, a qual, com um substitutivo do deputado Aluízio Campos incluindo os campi do Sertão, seria amplamente discutida na cidade e no Campus II, já então com a Associação dos Docentes (ADUF) participando ativamente dos debates. Ainda devemos citar a propositura de igual teor do deputado Evaldo Gonçalves, em 1989, mas, embora sejam iniciativas históricas dignas de nota, esses projetos tiveram muito pouca repercussão no Congresso Nacional e nos governos de então.
Assim, a “gestação” da UFCG começaria efetivamente em 1992, em pleno governo Collor, com a misteriosa nomeação de uma comissão da Secretaria Nacional de Educação Superior do MEC (SENESU), então dirigida por Eunice Durham, para fazer um “estudo de viabilidade” sobre o desmembramento da UFPB. Segundo os documentos alusivos à criação da UFCG publicados no portal da instituição, “a comissão concluiu seu trabalho recomendando o desmembramento, adiantando inclusive que sua consecução não implicaria em acréscimos significativos de despesas”. Ora, para um governo que cortou drasticamente o orçamento das IFES, chegando a uma redução total de 39% no último ano de seu interrompido e malfadado mandato [1], que não criou nenhuma nova universidade federal e que ainda investiu pesadamente na tese da privatização do ensino superior, isso soa muito esquisito.
Pode-se supor, portanto, que esta teria sido uma articulação do então senador Raimundo Lira, que rompera com o PMDB ao anunciar seu apoio a Fernando Collor de Melo em 1989 e se tornara, já então no PFL, coordenador da campanha de Collor na Paraíba, ao lado de seu ex-desafeto Tarcísio Burity [2]. Na época da nomeação da comissão, Lira cumpria o sexto ano de mandato, se preparava para a campanha de reeleição e, certamente, a criação da UFCG seria um bom capital político. Aliás, os jornais da época demonstram o ativíssimo engajamento do senador nessa luta. Mas... o impeachment de Collor viria a abortar os dois projetos: nem a UFCG foi criada e nem Lira reeleito.
De qualquer maneira, o projeto que fora lançado oficialmente, com a chancela de um relatório favorável do MEC e que mobilizara a cidade em torno da ideia, recolocava concretamente a possibilidade de se criar a UFCG por desmembramento da UFPB. Três eram os fatores que convergiam para essa possibilidade.
Em primeiro lugar, certo sentimento de exclusão em relação ao centro de decisões da universidade, pois, embora próximo geograficamente, o Campus II encontrava-se distante geopoliticamente do gabinete do reitor. Em decorrência disso, criticava-se o “gigantismo” da universidade como elemento de dificuldade operacional que desfavorecia os campi fora de sede [3].
Em segundo lugar, uma insatisfação com a partilha dos recursos humanos e orçamentários na Universidade, pois cabia ao Campus II apenas 25% do orçamento geral, quando este detinha 27% dos professores da UFPB, um Hospital Universitário e uma infraestrura complexa [4]. Ademais, apenas 22% dos servidores técnico-administrativos da UFPB eram lotados no Campus II, para darem conta das atividades do Hospital Alcides Carneiro, biblioteca, restaurante universitário, residência universitária, subprefeitura, creche, NPD, a mina escola, centros e departamentos do campus, bem como de assuntos comuns aos outros cinco campi fora de sede por meio da Pró-Reitoria de Assuntos do Interior (PRAI),  sediada em Campina Grande [5].
Finalmente, mas não menos importante, havia uma identidade fortemente arraigada na tradição de excelência do Campus II - cujo símbolo supremo era pós-graduação do CCT - e na própria história de protagonismo da cidade de Campina Grande, o que levava ao desejo de criação da UFCG, dando aos campinenses a oportunidade de conduzirem os próprios destinos de um Campus que possuía uma estrutura administrativa e acadêmica compatível com qualquer universidade federal do país. De fato, numa área construída de 70 mil metros quadrados, em 1996, 3.904 alunos estavam matriculados em vinte cursos de graduação, 378 em dez cursos de mestrado e 52 em dois cursos de doutorado (2/3 do total de doutorandos da UFPB) [6]. Considerando a classificação atual da CAPES [7], o Campus II desenvolvia ensino, pesquisa e extensão em sete das nove áreas de conhecimento (Ciências Exatas e da Terra, Engenharias, Saúde, Ciências Agrárias, Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Linguística, Letras e Artes), contava com 17 grupos de extensão, 36 grupos de pesquisa consolidados e 183 bolsas de iniciação científica [8]. Ademais, os professores do Campus II tinham uma qualificação acima da média da UFPB, com 15,58% de doutores (contra 14,52%), 44,76% de mestres (contra 43,8%) e 39,66% de graduados/especialistas (contra 43,8%) [9].
Entretanto, antes e depois do reitorado de Lynaldo Cavalcanti (1976-1980), todos os reitores da UFPB eram professores lotados em João Pessoa e Campina Grande sequer lograva emplacar um vice-reitor. Mas, no início dos anos 90 começava a ascensão política de um ativo grupo de professores do CCT que redundaria na eleição de Roberto Siqueira, do Departamento de Engenharia Elétrica, como vice-reitor de Neroaldo Pontes e, depois, de Marcos Brasileiro e Thompson Mariz, respectivamente, como vices nos dois mandatos de Jáder Nunes. Foi esse grupo, motivado por parlamentares que asseguravam que o ministro da Educação estaria receptivo à criação da UFCG [10] que recolocou a questão em pauta, através de uma carta dirigida ao reitor em 30 de março de 1995, na qual o então Pró-Reitor de Assuntos do Interior, professor Jorge Beja, secundado pelos diretores e vice-diretores de centro do Campus II, posicionavam-se favoravelmente à ideia [11]. Em resposta a essa articulação, o reitor nomeou uma “Comissão de Desmembramento da UFPB”, tendo ele próprio como presidente, Roberto Siqueira como vice e Thompson Mariz como secretário, para promover discussões na comunidade universitária e construir um anteprojeto para tal fim.
O debate não foi pacífico, pois duas teses foram discutidas acaloradamente durante os oito meses em que a comissão trabalhou. De um lado, as lideranças do CCT defendiam a criação da UFCG como uma estratégia de aperfeiçoamento gerencial, argumentando que o “gigantismo” da instituição emperrava o seu desempenho. Por outro lado, as lideranças do CH e da ADUF argumentavam que a divisão da universidade a fragilizaria no contexto do “sucateamento” que assolava as IFES em função do “ajuste neoliberal” empreendido pelos governos Collor e FHC. Os campi do sertão (Patos, Sousa e Cajazeiras) tomaram uma posição salomônica: em princípio eram contrários à divisão da universidade, mas concordavam com a criação da UFCG contanto que continuassem pertencendo à UFPB. No auge do processo de discussão um grupo de professores intitulado “Movimento Pró UFCG” promoveu um plebiscito extraoficial em que a tese da criação da nova universidade venceu por pequena margem de votos.
No dia 5 de fevereiro de 1996 o relatório final da Comissão de Desmembramento que concluiu haver “viabilidade na criação da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a partir do Campus II da UFPB” [12] foi aprovado em reunião do CONSUNI realizada em Campina Grande. Ato contínuo, o reitor constituiu a Subcomissão Especial Pró-UFCG, presidida por Mário Araújo Filho (CCT), tendo como membros Virgílio Brasileiro, representando a PRAI, Lula Cabral (CH), Antonio Roberto Vaz Ribeiro (CCBS) e Gilberto Silva de Siqueira (HUAC). Instalada solenemente em 8 de março do mesmo ano, a subcomissão elaborou o estudo de viabilidade para a criação da UFCG [13], o qual formaria a base da exposição de motivos enviada pelo reitor ao ministro da Educação em 23 de julho de 1996 [14] e do relatório favorável da comissão do MEC, presidida por José Luis Valente [15].
E nisso ficou, não podendo ser diferente numa conjuntura em que a criação de uma nova universidade federal não passava nem de perto pelos planos do governo, já que Fernando Henrique Cardoso priorizara em sua agenda política a reforma da administração pública como a principal estratégia para o enfrentamento da crise fiscal, a consolidação da estabilização monetária e a retomada do crescimento econômico, com a “diminuição do tamanho do Estado” e um papel maior ao mercado na coordenação da economia. A reforma do Estado seria operada através de três processos: a privatização de empresas públicas, a terceirização - efetivamente realizadas - e a publicização, isto é, a transferência da gestão e prestação de serviços antes ofertado pelo Estado, como os serviços sociais – a educação e saúde, dentre outros – para o setor dito “público não-estatal”, ou terceiro setor, composto por entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos [16]. Quanto às universidades, a proposta era transformá-las em “organizações sociais”, tal como preconizaria a Lei 9.637, de 15 de maio de 1998, isto é, em fundações de direito privado, já que para o ministro Bresser Pereira, artífice da reforma, “na União os serviços não exclusivos do Estado mais relevantes são as universidades, as escolas técnicas, os centros de pesquisa, os hospitais e os museus” (Apud Alves, 2011).
Assim, a criação da Universidade Federal de Campina Grande foi postergada até o último dos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando, como por encanto, foram criadas cinco novas universidades federais, entre as quais a UFCG, cujo projeto de Lei de autoria do Executivo foi enviado ao Congresso Nacional, ao que tudo indica, em virtude de uma articulação do senador Ronaldo Cunha Lima.
Nascida a fórceps no final de um governo que reduziu em 21% o já então corroído orçamento das IFES [17] e em que proliferaram as instituições de ensino superior particulares em detrimento das públicas, a UFCG demonstraria que viera ao mundo num contexto adverso, mas que nascia pronta para se consolidar como instituição. Realmente, quando ventos melhores sopraram para as Instituições Federais de Ensino Superior, a UFCG se agigantou. Mas essa é outra história.


[1] SCHWARTZMAN, Jaques: Políticas de Ensino Superior no Brasil na década de 90. O financiamento das Universidades Federais. Trabalho apresentado na XIXª Reunião Anual da ANPED. Caxambu, 1996. Acesse aqui
[2] Segundo matéria do site Lana Caprina. Acesse aqui
[3] Universidade Federal de Campina Grande: elementos para sua criação, p. 4. Campina Grande, UFPB, 1996. Acesse aqui
[4] Proposta de Criação da Universidade Federal de Campina Grande. João Pessoa, UFPB, 1996. Acesse aqui
[5] Proposta de Criação da Universidade Federal de Campina Grande. João Pessoa, UFPB, 1996. Acesse aqui
[6] Relatório da Comissão do MEC sobre a viabilidade da criação da UFCG. Campina Grande, UFPB/PRAI, s/d. Acesse aqui
[8] Relatório da Comissão do MEC sobre a viabilidade da criação da UFCG. Campina Grande, UFPB/PRAI, s/d. Acesse aqui
[9] Proposta de Criação da Universidade Federal de Campina Grande. João Pessoa, UFPB, 1996. Acesse aqui
[10] Universidade Federal de Campina Grande: elementos para sua criação, p. 7. Campina Grande, UFPB, 1996. Acesse aqui
[11] Universidade Federal de Campina Grande: elementos para sua criação, p. 7. Campina Grande, UFPB, 1996. Acesse aqui
[12] Universidade Federal de Campina Grande: elementos para sua criação, p. 8. Campina Grande, UFPB, 1996. Acesse aqui
[13] Universidade Federal de Campina Grande: elementos para sua criação. Campina Grande, UFPB, 1996. Acesse aqui
[14] Proposta de Criação da Universidade Federal de Campina Grande. João Pessoa, UFPB, 1996. Acesse aqui
[15] Relatório da Comissão do MEC sobre a viabilidade da criação da UFCG. Campina Grande, UFPB/PRAI, s/d. Acesse aqui
[16] ALVES, Flávia de Freitas. A reforma do Estado nos anos 90 e sua influência na autonomia das Universidades Federais Brasileiras. Trabalho apresentado no 25º Simpósio Brasileiro e 2º Congresso Ibero-Americano de Política e Administração da Educação. São Paulo, ANPAE, 2011. Acesse aqui
[17] Amaral, Nelson Cardoso. “Autonomia e financiamento das IFES: desafios e ações”. Avaliação. Campinas; Sorocaba, SP, v. 13, n. 3, p. 647-680, nov. 2008. Acesse aqui


Entrevista no Programa Opinião - TV Borborema


quarta-feira, 21 de março de 2012

O Salto Quântico da UFPB

Com este segundo post retomo a série de quatro artigos alusivos aos 10 anos da UFCG e 60 anos da Escola Politécnica de Campina Grande (POLI).
Leia o primeiro post sobre a história da UFCG aqui

Os cientistas naturais chamam de “salto quântico” um fenômeno que ocorre quando uma partícula ganha energia: o movimento dos elétrons se acelera e eles se afastam do núcleo, “pulando” de um nível atômico para outro. Esse conceito que revolucionou a Física e cujas aplicações resultaram em invenções como o controle remoto e o CD, serve de metáfora para processos em que um grande investimento de energia humana provoca saltos evolutivos repentinos e irreversíveis em uma instituição ou organização. Foi o que aconteceu com a UFPB no reitorado de Lynaldo Cavalcanti (1976-1980).
Em quatro anos, o ex-diretor da Escola Politécnica de Campina Grande transformou a universidade, colocando-a entre as maiores do Brasil, com sua inédita estrutura multicampi. Expandiu e interiorizou, fundando os campi de Bananeiras, Patos, Sousa e Cajazeiras e criando 33 cursos de graduação, 18 de mestrado e dois de doutorado. Até então, a pós-graduação da UFPB se resumia a três cursos de mestrado em engenharia, todos funcionando, coincidentemente ou não, na própria POLI. É desse período a federalização da Faculdade de Medicina de Campina Grande, episódio saborosamente relatado pelo próprio Lynaldo na biografia escrita por Ivan Rocha Neto:

“Consegui federalizar a faculdade de Medicina de Campina Grande, como Ney Braga [então ministro da Educação], dizia – ‘com mão de gato’, isto é, em lugar de uma lei do Congresso, a Universidade Federal criou o curso de medicina, absorveu os professores da antiga faculdade, recebeu como doação o patrimônio e os alunos foram transferidos para a Universidade Federal. Isso foi uma verdadeira maluquice e um artifício muito trabalhoso”.

Outros tempos, outros costumes. Mas, para quem gostava de citar Lester Korn –“a liderança visionária e não a capacidade administrativa será o modelo mais valioso para o executivo de amanhã” – essa foi apenas mais uma manobra genial do já mítico reitor, como foi a aquisição do IBM 1130 (leia aqui).
Com a instalação de mais de 20 núcleos interdisciplinares, como os ainda ativos NUPPA, NDHIR e NEPREMAR, a universidade trilhava os caminhos da excelência na pesquisa e extensão, sem deixar de lado as artes e a cultura, que tiveram um grande fomento com a criação do NUDOC, a construção do Teatro Lima Penante e a parceria com o governo do Estado para a formação da Orquestra Sinfônica da Paraíba.
Naquele reitorado, a UFPB se cosmopolitizou em virtude de uma política agressiva de convênios e intercâmbios. Para se ter uma idéia, no final da década de 70, o Centro de Ciência e Tecnologia (CCT) do Campus II contava com 102 professores estrangeiros, entre indianos, canadenses, franceses, alemães e ingleses. Em plena ditadura militar, a universidade se politizava com a nomeação de professores de alto nível, muitos deles de esquerda, alguns voltando do exílio e outros saindo do ostracismo forçado pelo regime de exceção. A criação da Associação dos Docentes (ADUF) é fruto deste processo.
Ao final de seu mandato, Lynaldo Cavalcanti pôde relatar ao CONSUNI que o alunado evoluíra de 11.301 para 21.120 estudantes e que o número de diplomados duplicara. Que de 963 professores em 1976, a UFPB passara a ter 2.635 em 1980, com um aumento exponencial de doutores e mestres. Que o corpo técnico-administrativo crescera de 1.640 para 3.360 funcionários. Que o orçamento da UFPB havia dobrado e seu patrimônio triplicado. Era o “gigantismo” dos sete campi que faria a fama da UFPB, mas que também levaria ao seu desmembramento em 2002. Mas essa é outra história.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

As Origens da UFCG

Em 2012 a UFCG comemora duas datas importantes: seus 10 anos de criação por desmembramento da UFPB e os 60 anos de fundação da Escola Politécnica de Campina Grande (POLI), primeira escola superior da cidade, conquista da sociedade civil campinense, mobilizada pelo lendário Edvaldo do Ó.
A POLI foi criada em 1952 pelo governador José Américo de Almeida e viria a constituir, juntamente com outras nove escolas superiores isoladas, a Universidade da Paraíba, também criada por José Américo em 1955. A Universidade Estadual seria federalizada por Juscelino Kubitschek, no apagar das luzes de seu prolífico governo, transformando-se na UFPB, com três campi: João Pessoa, Campina Grande e Areia.
Desde então, o Campus II da UFPB, que reunia a POLI e a FACE (Faculdade de Ciências Econômicas) protagonizaria episódios de vanguardismo, espírito criativo e empreendedorismo público na constituição do “campo” do ensino superior, da ciência e da tecnologia na Paraíba, a começar pela construção da sede da Escola Politécnica, projetada e executada por um “Escritório Técnico” formado por professores e estudantes do curso de Engenharia Civil, criado em 1954. A inauguração do edifício que hoje abriga o Centro de Humanidades da UFCG, em 1962, coincidiu com a criação do curso de Sociologia e Política, que daria um tom de engajamento e espírito crítico ao campus campinense, numa época efervescente da vida nacional. A criação do curso de Engenharia Elétrica em 1963 inaugurou uma tradição de excelência nessa área reconhecida nacional e internacionalmente ainda hoje, principalmente após a criação do Mestrado em 1970.
Em 1968, um lance ousado do diretor da POLI, o visionário Lynaldo Cavalcanti, viria a alçá-lo como uma das principais lideranças da UFPB. Contra a vontade do reitor-interventor Gillardo Martins, nomeado pelo governo militar, mas apoiado pela comunidade universitária, pela sociedade campinense e assessorado pela ATECEL, fundada em 1967 para este fim, Lynaldo adquiriu um IBM 1130 para o Campus II, o primeiro mainframe do Norte e Nordeste e quinto do Brasil, sem contar com um centavo sequer do orçamento da universidade, valendo-se apenas dos fundos angariados por professores, funcionários e estudantes.
Este ato de um dos maiores empreendedores públicos que a Paraíba já conheceu é um símbolo da tradição e da essência da UFCG e foi um prenúncio de seu futuro reitorado, que promoveria o primeiro "salto quântico" da UFPB, através de um extraordinário processo de expansão e interiorização. Mas essa é outra história.

Correio da Paraíba, 9 de fevereiro de 2012 (página A6)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

UEPB: AUTONOMIA E PARTIDARIZAÇÃO

Por Hermano Nepomuceno


Em junho de 2009, o governo do Estado anunciou o realinhamento do orçamento e reduziu em 17 milhões de reais a dotação da UEPB. O secretário de Planejamento, em entrevista à imprensa, declarou que “esse recurso fica contingenciado, ela não vai perder um Real... até o final do ano, ela terá de volta”. A reação foi rápida: Reitoria, Assembleia Legislativa do Estado, Câmara de Vereadores de Campina Grande, Sindicatos de professores e funcionários, diretório e centros acadêmicos, com repercussões em todos os setores da imprensa anti-maranhista. Ao perceber o estrago político, o governador decidiu rever o corte e, posteriormente, o secretário Ademir Melo foi substituído.
 Mas, em 24 de agosto de 2010, em plena campanha eleitoral, ao participar do ciclo de debates com os candidatos a governador pela Associação Comercial de Campina Grande, o candidato José Maranhão declarou: “eu acho que é inteiramente viável fazer a federalização da UEPB...”. Dois dias depois, no mesmo palanque, o candidato Ricardo Coutinho detonou: “Maranhão, desde sempre, tentou se livrar da UEPB... é um governo que não compreende a importância de se ter uma universidade estadual... uma postura de tentar a todo momento... combater a autonomia... ou então se livrar dela”, hipotecando ainda “apoio ao manifesto publicado ontem pela Associação dos Docentes da UEPB”. Desnecessário recordar que a comunidade universitária se consolidou como o maior cabo eleitoral do candidato Ricardo, depois do ex-governador Cássio, claro. A principal faixa de rejeição e resistência ao candidato Maranhão espraiava-se nas camadas médias e entre os eleitores de nível educacional superior.  A imagem de “inimigo de Campina” foi cristalizada. Enquanto em João Pessoa Ricardo Coutinho teve 59,4%, em Campina alcançou 64,2% dos votos válidos!
            Voto é uma decisão que gera consequências. Desde 2011, jogando seu discurso campinense na lata do lixo, o governador Ricardo vem contingenciando as transferências orçamentárias para a UEPB : quase dez vezes mais do que a tentativa do governador Maranhão no longínquo ano de 2009. Agora, os golpes finais contra a Autonomia Universitária: a redução dos níveis de repasse (comprometendo o processo continuado de expansão da Universidade) e o comando das contas correntes (estabelecendo o controle financeiro sobre as ações da Direção da UEPB). A reitora Marlene sintetizou, de forma pragmática e conceitual, a nova realidade: “Hoje vivemos a mercê da vontade do governador, ele manda quanto quer e como quer”! E ainda: “foi rasgada a Lei de Autonomia da UEPB”!.
             Para além da revisão-agora-do conceito de “autonomia” externada pelo governador nas suas twittadas, o jornalista Arimateia Sousa, em sua coluna “Aparte”, desta quarta-feira, constatou que “as pretensões políticas (de) Marlene têm imposto à instituição... um desvirtuamento de seu projeto acadêmico”. E acusa de partidarização com “a desmedida entronização da militância do PC do B nas decisões e na estrutura da UEPB”. A crítica vai além, e há acusações quanto à cooptação de lideranças eleitorais e até lança suspeição sobre o processo sucessório universitário.
            Antes de mais nada, duas preliminares precisam ser destacadas. Primeiro, o governador Coutinho refugou o seu próprio discurso de campanha e traiu quem lhe apoiou por conta dele. Segundo, a Autonomia Universitária foi ferida no seu essencial. Isto posto, como ativista e como observador da cena política campinense, creio que há fundamentos de verdade nas críticas da coluna “Aparte”.
            Mas a crítica à partidarização política e à instrumentalização eleitoral só tem validade agora? Só é válida contra o pequeno PC do B?
            Em 2004 e 2008 a partidarização e a instrumentalização beneficiaram o PSDB. E em 2010 foi a vez do PSB se beneficiar.
            As observações do jornalista Arimateia, muito perspicazes, podem nos levar a refletir sobre o aperfeiçoamento de mecanismos de controle extra-corporativos. Mas não podem nos desviar do central neste momento: o exacerbado autoritarismo governamental desta gestão que está quebrando a instituição da Autonomia.