sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

UFCG outorga título de Professora Emérita a educadora belga Ghislaine Duqué


  

 
Ghislaine Duqué, durante atividade no
Projeto Universidade Camponesa da UFCG.
 
Nesta terça-feira, 20, o Colegiado Pleno do Conselho Universitário da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) aprovou a outorga do título de Professora Emérita a Ghislaine Duqué, por sua “relevante e reconhecida contribuição ao estudo da Agricultura Familiar Camponesa no Brasil e competente e dedicada docência no curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades”.

A sua militância intelectual e prática em prol do desenvolvimento sustentável do Semiárido e da inclusão produtiva e cidadã das populações pobres do campo, na coordenação de diversos projetos de pesquisas e movimentos sociais, foi um dos pontos destacados pelo propositor do título, professor Márcio Caniello (diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido/UFCG).

“A história de vida dessa grande humanista que, criança, sentiu os rigores da Grande Guerra em sua pátria de origem, a Bélgica, e que no início dos anos 1970 optou por transferir-se para o Brasil para ser alfabetizadora de adultos no interior do Piauí, precisava ser reverenciada pela UFCG”, comentou Caniello.

A propositura do título foi feita ao Colegiado Pleno do Conselho Universitário após aprovação nos Conselhos Administrativo (CONSAD) e de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA).

Ghislaine Duqué – É especialista em Sociologia do Desenvolvimento pela Universidade de Sorbonne (Paris I), doutora em Sócio-Economia do Desenvolvimento pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS, Paris), Pós-Doutora pela Universidade de Paris X (Nanterre), Pesquisadora 1C do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde meados dos anos 1980 e Líder do Grupo de Pesquisa Produção Agrícola Familiar (GPAF), o qual fundou em 1995 e atualmente encontra-se certificado pela UFCG.

Desenvolveu atividades no Centro de Humanidades da UFCG, no Curso de Ciências Sociais de forma competente e dedicada (no qual teve orientanda de PIBIC laureada em 1997 com o Prêmio Jovem Pesquisador) e, especialmente, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS), onde é reconhecida pelos seus pares como uma das principais lideranças acadêmicas que por ali passaram e onde ainda participa como professora voluntária. Ela foi coordenadora do Programa por duas gestões, orientou e participou de diversas bancas examinadoras de teses de Doutorado e dissertações de Mestrado. Atuou como membro do Colegiado do Curso, em Comissões de Seleção e do Conselho Editorial da Revista Raízes desde 1984, dentre inúmeras outras atividades.

Participou como ativista na construção de redes como a Articulação do Semiárido (ASA) e na atuação voluntária em Organizações Não-Governamentais, como o Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas às Comunidades (PATAC), associação sem fins lucrativos fundada em 1971 em Campina Grande, da qual foi dirigente por mais de 20 anos e em cuja gestão como presidente, foi agraciada com os Prêmios NEAD de Estudos Agrários, Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social (2001) e Prêmio Banco Mundial de Cidadania (2002).

Acesse aqui a proposta de outorga do título de Professora Emérita

(Rosenato Barreto – NJC/CDSA com Marinilson Braga - Ascom/UFCG)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Um Novo Paradigma para o Desenvolvimento Sustentável do Semiárido


Até bem recentemente, o Brasil adotava uma estratégia de desenvolvimento rural voltada quase exclusivamente para o fomento da agropecuária empresarial, tendo como meta principal a maximização da produtividade nesse setor. Embora tenha apresentado resultados importantes, como o significativo aumento da produção agropecuária nacional e sua influência decisiva nos superávits da balança comercial nos últimos anos, essa estratégia resultou praticamente inócua no que se refere à solução dos problemas sociais que caracterizam o meio rural brasileiro, particularmente a concentração fundiária e a falta de emprego e renda que expulsam o trabalhador do campo e deixam sem perspectiva de futuro os milhares de jovens camponeses de cuja “opção de ficar” na terra natal depende, realmente, a continuidade e o futuro da unidade produtiva familiar. Por isso, essa estratégia foi batizada de modernização conservadora.

Os dilemas sociais, econômicos e ecológicos da modernização conservadora há muito têm sido denunciados no debate sobre o desenvolvimento rural brasileiro, discussão que se intensificou com a emergência dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil no Brasil após o fim do regime militar. Esse debate levou a pelo menos um consenso entre estudiosos, atores sociais e governo: a importância crucial da chamada agricultura familiar camponesa para o desenvolvimento rural, especialmente em virtude do seu extraordinário potencial na geração e manutenção de emprego e renda no campo, o que confere a ela um papel estratégico no contexto da região semiárida nordestina, onde é amplamente majoritária.

O reconhecimento da agricultura familiar foi um passo muito importante no quadro do desenvolvimento rural brasileiro, principalmente porque levou à criação de políticas públicas específicas voltadas para ela, cujo alcance, aliás, teve um crescimento exponencial a partir do Governo Lula, como se pode verificar na evolução do Plano Safra da Agricultura Familiar, que cresceu 572% em relação ao Governo FHC, saindo de um total de R$ 2,4 bilhões (safra 2002/2003) para R$ 16 bilhões (safra 2010/2011), o que permitiu que o número de contratos avançasse de 890 mil para mais de 2 milhões/ano safra.

Entretanto, verifica-se que muitos produtores familiares não conseguem acessar esses recursos por falta de informações, conhecimentos e assistência técnica. Além do mais, há grandes dificuldades em se desenvolver novas tecnologias e analisar e difundir as muitas experiências bem sucedidas de desenvolvimento promovidas pelos movimentos sociais e organizações civis da região, pois as instituições públicas, como as universidades e os institutos de pesquisa, mantêm-se distantes da população. Isso acaba por dificultar a interação que deveria ocorrer entre a comunidade técnico-científica e a população rural, o que promoveria uma importante troca de práticas e conhecimentos na construção de estratégias realmente sustentáveis para o desenvolvimento local.

Assim, é preciso construir um novo paradigma de desenvolvimento para o semiárido brasileiro por intermédio de processos de inovação tecnológica adequados, difusão e crítica da produção técnico-científica, massificação da informação sobre as políticas públicas e as ações devotadas ao fomento da agricultura familiar no Bioma Caatinga e por meio do debate sobre processos produtivos, de gestão e organização social apropriados às suas peculiaridades culturais, sociais, políticas, econômicas e ambientais. Três princípios básicos fundamentam essa construção.

Em primeiro lugar, o fomento de um modelo de desenvolvimento baseado nos preceitos da sustentabilidade, isto é, uma estratégia para a promoção da melhoria de vida das populações atuais pautada pela reflexão sobre as gerações futuras, em que estão concatenados desenvolvimento econômico, desenvolvimento humano e responsabilidade ambiental.

Articulado a isso, a sociedade precisa entender que os camponeses são portadores de uma identidade cultural e de uma ética próprias associadas a um modo de vida não capitalista que, embora pressionadas por um sistema econômico cuja hegemonia pontua para a maximização do lucro, a ampliação do consumo e a mercantilização da terra e do trabalho, reitera suas particularidades e se reinventa cotidianamente, interagindo positivamente com a modernidade. Assim, é necessário oferecer a esses sujeitos sociais elementos para o resgate de sua identidade cultural e expertise técnica tradicional como uma estratégia para desenvolver a auto-estima e autodeterminação necessárias para que eles, preservando seu ethos, possam manter relações mais positivas com o sistema econômico hegemônico.

Finalmente, é imprescindível que se invista na implementação de um modelo produtivo adequado ao modo de vida desses camponeses, ao território que eles habitam e às necessidades impostas pelo sistema econômico. É um modelo “pluriativo” que privilegia o trabalho e sua remuneração e que se adapta aos fatores naturais, biológicos e meteorológicos. Isto é, um modelo que respeita os produtores, os consumidores e a natureza num projeto social renovado. É um modelo que propõe uma agricultura com baixo consumo de insumos comerciais e alto investimento em trabalho e em tecnologias apropriadas, capaz de manter um nível de emprego rural elevado e assim evitar o crescimento dos desequilíbrios territoriais e sociais ligados à forte urbanização. Dessa forma, ela pode ser competitiva economicamente e mais justa socialmente, pois concorre, por um lado, para a segurança alimentar das populações rurais através do autoconsumo, e também das populações das cidades através da venda de excedentes.

Foi este o principal objetivo da criação da Universidade Camponesa em 2003 no Cariri Paraibano e hoje constitui a base e a motivação do projeto acadêmico do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido, campus de Sumé da UFCG.