domingo, 25 de abril de 2010

Ciro e o vírus da vaidade

Bela análise do Eduardo Guimarães sobre o "esperneio" de Ciro Gomes, como ele mesmo diz. A esquerda brasileira parece ter perdido noção da tática fundamental do progressismo: abrir mão dos individualismos no enfrentamento da direita e de seus representantes, principalmente quando a conjuntura aponta, insofismavelmente, que um aliado histórico tem mais condições de se constituir na vanguarda da luta contra o retrocesso, o obscurantismo e o atraso, que é o que representa a candidatura demo-tucana.


Leia a análise postada no cidadania.com:

Desde que Lúcifer, o mais belo dos Querubins, deixou-se tomar pelo orgulho a ponto de não mais aceitar servir a Deus, nunca mais pararam de acontecer insurreições de coadjuvantes dos homens e mulheres que se tornaram protagonistas da epopéia humana por obra de seus dotes de liderança, artísticos ou intelectuais. E esses insurrectos sempre se deixaram mover pela vaidade.

Os menos inteligentes dirão que estou comparando Lula a Deus e Ciro Gomes ao Diabo agora que o socialista se posicionou de uma forma altamente danosa ao projeto político que integrou por tantos anos. Só a falta de inteligência e de imaginação pode levar alguém a uma conclusão como essa.

Mas Ciro, de fato, doente de vaidade não entendeu a diferença entre ele e o presidente da República, mesmo que este tenha chegado aonde aquele jamais conseguiu – e aonde, pelo visto, jamais conseguirá chegar – simplesmente porque não sabe esperar e porque se recusa a amadurecer.

Simpatizo com Ciro Gomes. É inteligente e franco, mas é muito vaidoso. E nem julgo que ser vaidoso seja um pecado irremissível simplesmente porque o vírus da vaidade nos afeta a todos. Contudo, temos que lutar contra ele.

Temos que saber quando nos cabe o papel de protagonistas ou quando tudo o que podemos fazer, para eventualmente um dia merecermos esse papel, é sabermos nos integrar a projetos que podem não ser os nossos projetos, mas que, por serem os melhores para todos, devem receber precedência.

Depois de se portar tão bem por tantos anos, apoiando e colaborando com a obra do governo Lula, uma obra mundialmente reconhecida e que conta com o apoio maciço daqueles aos quais beneficiou, Ciro me joga tudo fora num ato tresloucado, passando uma imagem de si à sociedade que, inclusive, não deve corresponder à verdade.

Foi um desastre aquela entrevista que Ciro deu ao SBT, na qual o âncora de telejornal Carlos Nascimento, um anti-Lula notório – aliás, como todos os seus pares –, babava na gravata pela oportunidade de arrancar ataques a Lula e a Dilma do até então aliado deles.

Segundos depois de Ciro dizer, na malfada entrevista que deu ao SBT, que uma só palavra errada dita por um político publicamente pode acabar com ele, e que, portanto, as palavras de homens públicos devem ser medidas, ele simplesmente me ataca o povo de São Paulo.

Virão dizer que faço a mesma coisa porque vivo criticando os paulistas. Mais falta de inteligência e de imaginação. Primeiro, porque sou paulista de São Paulo e não um paulista que construiu sua trajetória de vida em outro Estado; segundo, porque não sou candidato a nada.

Ficou feio demais Ciro elogiar Serra depois de tudo que disse dele, mesmo que, em seguida, o tenha atacado, mostrando uma bipolaridade incompatível com quem almeja uma posição como a que Lula exerceu com serenidade e de forma conciliadora e comedida, sabendo quando calar e quando falar graças ao seu instinto político insuperável.

sábado, 24 de abril de 2010

Bird vê 'avanços dramáticos' em redução da pobreza no Brasil

Apesar de ainda ter uma das mais altas taxas de desigualdade do mundo, o Brasil conseguiu avanços "dramáticos" em redução da pobreza e distribuição de renda, diz um relatório com indicadores de desenvolvimento divulgado nesta terça-feira pelo Banco Mundial (Bird).

"Enquanto as desigualdades de renda se agravaram na maioria dos países de renda média, o Brasil assistiu a avanços dramáticos tanto em redução da pobreza quanto em distribuição de renda", diz um trecho do documento.

"A desigualdade permanece entre as mais altas do mundo, mas os avanços recentes mostram que nem sempre o desenvolvimento precisa vir acompanhado de desigualdade", diz o texto sobre o Brasil.

Segundo os indicadores do Bird, a taxa de pobreza do Brasil caiu de 41% no início da década de 90 para entre 33% e 34% em 1995. Depois de se manter nesse nível até 2003, a taxa de pobreza apresentou declínio constante, caindo para 25,6% em 2006.

O documento diz que as taxas de pobreza extrema seguiram padrão semelhante, caindo de 14,5% em 2003 para 9,1% em 2006.

"A redução do número de pessoas vivendo na pobreza foi acompanhada por um declínio na desigualdade de renda", diz o relatório.

De acordo com o Bird, fatores como inflação baixa e programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, tiveram papel importante nesse desempenho.

Outros indicadores

O relatório também destaca os avanços registrados pelo Brasil em outros indicadores sociais, como a redução da taxa de mortalidade infantil, que passou de 56 para 22 em cada mil no período entre 1990 e 2008, em parte devido a melhores índices de vacinação.

Segundo o documento, o Brasil registrou ainda uma rápida redução nos índices de trabalho infantil e aumentou os níveis de frequência escolar.

O relatório traz dados sobre o cumprimento das Metas do Milênio, estabelecidas pelas Nações Unidas em 2000. Elas preveem melhoras em vários indicadores até 2015.

De acordo com o Bird, dez anos depois do lançamento da iniciativa, o progresso tem sido desigual e somente pouco mais da metade dos países com dados disponíveis está no caminho para atingir as metas.

"Cerca de 41% das pessoas em nações de baixa e média renda vivem em países que não devem atingir as metas. E 12% vivem nos 60 países sobre os quais não há dados suficientes para medir o progresso", diz o relatório.

No entanto, segundo o Bird, houve progressos consideráveis nesses 10 anos e, apesar da crise econômica e financeira, "a meta de reduzir pela metade a proporção de pessoas vivendo na extrema pobreza ainda pode ser alcançada em diversas regiões em desenvolvimento".

A USINA DE BELO MONTE: MAIS UMA VITÓRIA DO MAIOR ESTADISTA DA HISTÓRIA DO BRASIL

Globo Online - Enquanto o mercado ainda estava atordoado com a vitória do consórcio Norte Energia na licitação da hidrelétrica de Belo Monte, na terça-feira, representantes das empreiteiras Camargo Corrêa e Odebrecht procuraram a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) informando interesse em aderir ao consórcio vencedor, como mostra reportagem de Eliane Oliveira e Gerson Camarotti, publicada na edição deste sábado, no GLOBO.

As maiores construtoras do país - que desistiram de entrar na disputa 15 dias antes do certame alegando que os parâmetros do edital eram inviáveis - foram o estopim da intervenção federal no leilão, com a formação orientada pela União de um segundo consórcio, que de azarão virou o dono da maior obra do Brasil.

As duas se anteciparam, mas não foram as únicas. A Andrade Gutierrez, que liderava o consórcio favorito, também procurou a Chesf para dizer que, ainda que só participe como contratada, mantém o interesse na obra. Terceira maior do país, a Andrade formou com a Camargo e a Odebrecht o trio de empreiteiras que fizeram o estudo para o projeto de Belo Monte.

Além das construtoras, Gerdau, CSN e Braskem procuraram a Chesf. A Vale, parceira da Andrade no grupo derrotado, também demonstrou interesse ao governo, apesar das restrições legais - a empresa só pode entrar após a assinatura do contrato de concessão. Ontem, as ações PN da Gerdau subiram 2,59%, depois de o presidente do Conselho de Administração da empresa, Jorge Gerdau Johannpeter, ter afirmado, num fórum empresarial na Bahia, que cogita entrar em Belo Monte.

- O jogo de xadrez começou e cada um já começa a movimentar suas peças. Mas a Chesf é a dona do jogo - disse uma fonte do governo.

Governo Lula deu mais um show de competência. As grandes empreiteiras tentaram chantagear o governo tentando nos convencer que era um mau negócio, conseguiram o apoio incondicional da imprensa, mas o governo não cedeu.

O resultado é que o leilão foi um sucesso, com deságio e ainda por cima agora todos querem aderir.

Mas a Chesf é a dona do jogo.

O artigo do Leonardo Attuch para a revista IstoÉ Dinheiro, reproduzido abaixo, descreve com precisão o jogo de xadrez desse leilão, apenas erra quando diz que "primeira vez em oito anos, o governo decidiu peitar o cartel das grandes empreiteiras". Não é verdade. Já peitou outras vezes, como nas concessões de estradas federais, nos leilões de Jirau e Santo Antônio, na Transposição. Em todos esses leilões as empreiteiras apostaram em um preço maio, ameaçando abandonar, mas acabaram por ceder ao jogo duro liderado pela Casa Civil. Triste foi a maior parte da imprensa apoiar o jogo do cartel, apenas para poder criticar o governo Lula mais uma vez.
Lula deu um basta

Luiz Inácio Lula da Silva é um homem livre. Já se elegeu presidente duas vezes, tem 83% de popularidade e não precisa mais prestar satisfações aos eternos doadores de campanha. Sua candidata talvez ainda necessite deles, mas Dilma é Dilma, Lula é Lula. E o que se viu em Brasília na semana passada, no leilão para a hidrelétrica de Belo Monte, foi notável. Pela primeira vez em oito anos, o governo decidiu peitar o cartel das grandes empreiteiras. Antes da disputa, dois consórcios estavam formados, mas isso não significava que haveria concorrência. O que estava combinado entre as construtoras, qualquer que fosse o resultado, era uma divisão da maior obra dos próximos anos, de quase R$ 20 bilhões, da seguinte forma: 25% para a Camargo Corrêa, 25% para a Odebrecht, 25% para a Andrade Gutierrez, 15% para a Queiroz Galvão e 10% para a OAS.

No meio do caminho, a Queiroz Galvão avaliou que merecia os mesmos 25% das construtoras maiores. E, articulada com a Chesf, uma das principais geradoras de energia do País, formou um novo grupo. Só que, às vésperas do leilão, a Queiroz também tentou impor suas próprias condições: ficaria no grupo, desde que levasse 80% das obras civis. Não obteve a garantia, que era imoral, quase uma chantagem, e pulou fora do consórcio. Foi o que bastou para que começasse a gritaria: “A tarifa é barata demais”, “Não vão entregar a obra”, e assim por diante. Alheio às pressões, o presidente apenas disse que, se as grandes empreiteiras não quiserem participar do projeto, azar. Belo Monte será construída pelo que Lula chamou de “barrageiras dos novos tempos”.

Capacidade de construir hidrelétricas é o que não falta no Brasil, um país que já ergueu Furnas, Itaipu e muitas outras barragens. E se em Belo Monte o preço será menor, tanto melhor. Aliás, a tarifa caiu justamente porque o governo definiu que a taxa de retorno do projeto deveria ser de 8% ao ano, e não de 12%, como queriam as empreiteiras. Uma remuneração de 8%, acima da inflação, já é satisfatória em qualquer país civilizado – e não há razão para que seja diferente no Brasil.

Depois da choradeira das construtoras, também passaram a dizer que uma eventual entrada dos fundos de pensão em Belo Monte significaria a estatização do projeto. Mais uma grande bobagem. Os fundos, embora sejam ligados a empresas estatais, são entidades privadas, que pertencem a seus funcionários. E que têm a obrigação atuarial de entregar um retorno de 5,5% ao ano, acima da inflação, aos seus cotistas. Entrar em algo com ganho estável de 8%, e duração de 30 anos, representa um baita filé. O fato é que o Brasil necessita da energia de Belo Monte para crescer – e pode muito bem dispensar um cartel de empreiteiras.
http://www.aleporto.com.br/blog.php?tema=6&post=2481

domingo, 18 de abril de 2010

Entenda a Representação do MSM

Após a publicação deste post, passarei o domingo trabalhando na representação que o Movimento dos Sem Mídia irá protocolar no Ministério Público Eleitoral na semana que entra (vide post anterior), na qual pedirá investigação sobre as pesquisas eleitorais.

Haverá uma divisão de tarefas entre o diretor-jurídico da ONG, o dr. Donizeti, e este que escreve. A parte fática (descrição dos fatos que motivam a peça) ficará a meu cargo, enquanto que caberá ao advogado dar forma jurídica ao texto.

Pretendemos protocolar a representação até terça-feira, no máximo.

Apesar do longo trabalho que tenho pela frente, decidi escrever este post porque parte dos leitores não compreendeu meus motivos para ter decidido pedir à Justiça que intervenha em um processo que considero danoso não a esta ou àquela candidatura, mas à democracia.

Em primeiro lugar, temos que entender e aceitar que nenhuma pessoa honesta pode afirmar, com cem por cento de certeza, qual ou quais dos quatro mais importantes institutos de pesquisa que atuam no Brasil (Datafolha, Ibope, Sensus e Vox Populi) diz ou dizem a verdade.

Só o que se pode afirmar sem sombra de dúvida é que ao menos um deles está mentindo descaradamente, de uma forma que julgo criminosa. Porque não é possível que pesquisas feitas com intervalo de algumas semanas apresentem resultados tão diferentes.

Ultimamente, a mídia passou a divulgar largamente, através de artigos, reportagens e editoriais, que pesquisas não devem ser comparadas quanto a números crus e, sim, quanto às tendências que se revelam entre a divulgação de cada sondagem do mesmo instituto.

Nos gráficos abaixo, comparo as sondagens de quatro institutos desde o fim do ano passado. O cenário de candidatos escolhido foi o que tem sido mais destacado pela mídia, envolvendo os pré-candidatos do PT e do PSDB mais Ciro Gomes e Marina Silva, sendo que os dois últimos não aparecem no estudo para facilitar sua compreensão.


Ibope


Sensus


Vox Populi


Datafolha


O que estes gráficos revelam – não só pelos critérios sobre tendências amplamente expostos pela mídia, mas também por conta de matérias acusatórias lançadas pelo jornal Folha de São Paulo, dono do Datafolha, contra os institutos Sensus e Vox Populi, de que teriam fraudado seus números – é que um ou mais desses institutos está ou estão mentindo.

A tendência revelada pelo Datafolha diverge de Ibope, Sensus e Vox Populi, como mostram os gráficos. E mesmo que na próxima pesquisa Ibope, a ser divulgada nos próximos dias, os números se aproximem dos do Datafolha, haverá divergência de dois institutos contra outros dois.

Não é possível que um ou dois institutos mostrem Serra subindo e Dilma estagnada ou caindo e dois ou três mostrem o contrário em espaço tão curto de tempo – no caso de Datafolha e Sensus, no espaço de uma semana.

É aqui que quero dar uma explicação.

Alguns leitores recomendaram-me que não mexa nisso, que não faça representação nenhuma, porque a Justiça seria “tucana” e, assim, acabaria prejudicando o PT e referendando o Datafolha.

Será que se referem à mesma Justiça que cassou governador e prefeito da coalizão de Serra e pôs na cadeia seu mais cotado candidato a vice?

Acho que uma das poucas instituições que estão funcionando na política brasileira tem sido a Justiça, sobretudo a Justiça Eleitoral, que tem agido com total isenção, multando Lula ou cassando Cassio Cunha Lima e Gilberto Kassab e prendendo José Roberto Arruda.

Além disso, não acho que importa, aos verdadeiros democratas, qual dos institutos está mentindo e, sim, se algum deles mente. Se forem Sensus e Vox Populi, por exemplo, acho inaceitável, mesmo que suas supostas fraudes beneficiem a facção política que apóio.

Não quero “vencer” uma eleição por meio de fraudes como essa. Quero “ganhar” ou “perder” de forma limpa, digna, honrada, justa e democrática, pois um país só avança quando esses valores prevalecem também na mentalidade dos atores políticos que somos todos nós, candidatos, mídia e eleitores.

Este blog se chama Cidadania, não politicagem. Foi criado para estimular as pessoas a abandonarem essa nefasta mania do brasileiro de deixar tudo para lá, de conviver com o que está errado por puro comodismo, estimulando-as a ficarem sempre do lado mais justo seja ele qual for.

Esta tem sido minha luta aqui, ainda que alguém possa pensar outra coisa. Não trabalho para políticos, mas para o Brasil.

Agora, deixo-os com estes esclarecimentos e vou trabalhar pela democracia brasileira durante o resto do domingo compondo a peça que o MSM apresentará à Justiça Eleitoral na semana que entra, doa a quem doer.



Escrito por Eduardo Guimarães às 10h28

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Os jornais em parafuso

Por Washington Araújo em 30/3/2010

E os jornais entraram em parafuso. O assunto rendeu manchete, colunas políticas, notas, e editoriais inflamados. Tudo porque a Constituição Federal, promulgada em 1988, conhecida como a Constituição Cidadã – aquela sim, a mesma que ficou congelada na foto histórica e hoje a todos acessível, no momento mesmo em que o doutor Ulysses Guimarães a erguia na mão. Pois bem, a Constituição assegurava a todos o direito à livre expressão. E à circulação de idéias. E à liberdade de pensamento. E de imprensa também. Uma coisa é que o que está esculpido na Constituição, outra coisa bem diferente é o que cada um entende dos direitos fundamentais, da cidadania, do Estado democrático de direito. Pelo que li nos jornais de quinta-feira (25/3), passei a supor que o todos mencionado na Constituição exclui, logo de saída, a pessoa do presidente da República.

É um todos assim meio envergonhado, uma espécie de marquise que abriga a todos, menos o chefe do Poder Executivo, o presidente eleito através do voto universal e secreto em duas eleições seguidas – 2002 e 2006 – pelo mesmo povo brasileiro que, em 1986, elegeu um Congresso Constituinte composto por 559 parlamentares, 487 deputados e 72 senadores, e presidida pelo deputado Ulysses Guimarães, conhecido à época como o "Senhor Diretas". Foi uma Constituinte diferente porque foi alvo da pressão popular que conquistou o direito de apresentar emendas. Essas emendas alcançaram o total de 12.265.854 assinaturas.

"O vezo antidemocrático"

Vamos ao que interessa. Essas foram as manchetes dos grandes jornais no dia 25/3/2010:

** Folha de S.Paulo:

Editorial – "Devaneio autoritário" ; "Para presidente, imprensa cobre com `má-fé´ a ação do governo"

** O Globo – "Lula fala em continuidade e ataca a imprensa"

** O Estado de S. Paulo – "Lula volta a acusar imprensa de má-fé"

O editorial da Folha expressa sua total contrariedade já a partir do título – devaneio autoritário. E alinha algumas sacações da empresa, a meu ver, muito equivocadas. Derrapadas mesmo. Exemplos? "O vezo antidemocrático de Lula se expõe quando o que está em pauta é a divergência de opinião e a liberdade de imprensa".

Ora, ora, quem está sendo antidemocrático? O presidente porque fala de sua insatisfação com a imprensa ou o jornal porque não aceita ser criticado pelo presidente? E se o que está em pauta é "a divergência de opinião", é no mínimo curioso que o editorialista acuse nos outros o pecado que comete: o jornal procurou aceitar a "opinião divergente" emitida pelo presidente sobre nossa grande imprensa? Afirma o editorial: "Lula não tolera ser criticado e convive mal com esforços de fiscalização de seu governo".

Cadê o ataque?

Desde quando mostrar insatisfação com a cobertura da imprensa pode ser tachado de intolerância? Teria ele ordenado a invasão dos jornais, a prisão de jornalistas, a não-renovação de concessão para funcionamento de emissoras de rádio ou TV? Não. Então, cadê a intolerância? Ou intolerância é qualquer ato de não alinhamento automático com as posições da imprensa?

Fico por aqui. O editorial empilha idéias que não ficam de pé por si mesmas. Na reportagem da Folha, chama a atenção o subtítulo: "Presidente volta a criticar a imprensa, afirmando que a leitura de `determinados tablóides´ o deixa triste todas as manhãs". Um caso raro em que o subtítulo e o título da matéria parecem brigar pelo tom a ser dado ao texto. O título carrega no "má-fé"; o subtítulo arredonda para o estado de humor do presidente, algo que "a leitura que o deixa triste". E durma-se com um barulho destes.

O carioca O Globo escala o beligerante verbo "atacar". Quem não teve tempo de ler nada mais que a manchete deve ter ficado com a pulga atrás da orelha: como foi o ataque do presidente à imprensa? O presidente ameaçou fechar jornais? O presidente exigiu, como se fazia em passado recente, a demissão de algum jornalista em especial? O presidente deu nome aos bois: a revista Y é tendenciosa ao extremo e só publica inverdades; o jornal X chantageia o governo em troca de favores oficiais; a TV Z é comprada pelo capital especulativo e predador.

Não achamos nada disso na reportagem. Então, cadê o ataque presidencial à imprensa? Será este excerto?: "Para ele, esses críticos gostariam que houvesse alguma desgraça no país para que pudessem afirmar que ele, por não ser `letrado´, não tem capacidade para administrar o país".

"Predileção pela desgraça"

Será que ninguém nunca olhou enviesado para a cobertura feita por determinado órgão da imprensa para o governo atual e, avanço mais, será que nunca o leitor minimamente incauto não identificou as pegadas do preconceito social e cultural deste ou daquele articulista sobre a figura do presidente? O que ele disse foi elaborar de outra maneira a clássica lição das faculdades de Jornalismo: "Notícia é um homem morder um cachorro e não o contrário". É ilustrativo repercutir essas aspas do presidente encontradas em O Globo:

"Fico imaginando daqui a 30 anos, quando alguém quiser fazer uma pesquisa sobre a história do Brasil e sobre o governo Lula e tiver que ficar lendo determinados tablóides. Ou seja, esse estudante vai estudar uma grande mentira neste país. Quando, na verdade, poderia estar estudando a verdade do que aconteceu neste país."

Li a frase em voz alta, de mim para mim, apenas para encontrar algum tom de agressividade, alguma forma insuspeita de ataque à imprensa e confesso que não encontrei traço algum. Está muito mais para desabafo que para um ataque do presidente.

O vetusto Estadão segue a mesma toada dos irmãos-maiores. Título: "Lula volta a acusar a imprensa de má-fe". Subtítulo: "Lula se diz vítima de `má-fé´ da mídia". O objetivo é tratar o desabafo (sim, banco o termo) presidencial como sendo um elo adicional à corrente de acusações do presidente à imprensa e, logo em seguida, joga luz ao discurso vitimizante do presidente. O jornal dos Mesquita é bem mais transparente na forma aprovada para dar ares de escândalo e de ofensa ao que, no fundo mesmo, nada tinha de escândalo e muito menos de ofensa. Destaco o trecho que realmente importa:

"O presidente, no discurso de ontem, disse que estava fazendo o desabafo para o noticiário não piorar ainda mais. `Se você se acovardar, eles (jornais) vêm para cima. Se tem uma coisa que não temos que ter é vergonha do que fizemos neste país´, afirmou. Ele reclamou, em especial, da cobertura das inaugurações de obras. `Esses dias eu fiquei triste. Inaugurei duas mil casas e não vi uma nota no jornal. Mas, quando cai um barraco, eles dizem que caiu uma casa´, disse. `É uma predileção pela desgraça.´ Ele ainda reclamou que empresários do setor foram convidados a participar da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), organizada pelo governo no ano passado, mas não compareceram."

Olho no olho, gestos largos

Sublinhei o substantivo masculino "desabafo" propositalmente. Ao menos um dos três grandes jornais do país reteve a mesma percepção que tive ao ler as declarações do presidente no dia 24/3/2010. Nem ataque, nem acusação; desabafo de um presidente.

O Estadão fez a cobertura mais equilibrada ao informar seus leitores o pensamento do presidente usando suas próprias palavras. Quando lemos o excerto acima de olhos fechados conseguimos imediatamente imaginar estas palavras sendo ditas pela boca presidencial. A menção ao "valor-notícia = 0" para inauguração de 2 mil casas e para o "valor-notícia = 100" concedido quando cai um barraco e... sua prosaica conclusão de que, uma vez formada a equação com tais variáveis, o resultado só pode ser "uma predileção pela desgraça" é típico do pensamento e da visão de mundo do presidente. E é sincero. Não precisa ser presidente para concordar com este raciocínio, tal a clareza, a transparência do enunciado, a assertividade da conclusão. E não deixou passar em branco o boicote que empresários da grande imprensa, inclusive suas entidades classistas, fizeram quando da Confecom. Uma resposta ao encontro do Instituto Millenium.

O presidente da República apresentou à nação um novo figurino de chefe do Executivo. Um presidente falante, que fala língua das ruas, becos e vielas, que fala com o ribeirinho à margem do rio Juruá, no Amazonas, com a mesma desenvoltura com que responde a uma pergunta formulada pela rainha Elizabeth II, do Reino Unido. Para ele, trocar cinco minutos de prosa com catadores de material reciclável na periferia de São Paulo tem a mesma importância que discutir em Davos, na Suíça, os rumos que a economia mundial é forçada a trilhar.

Neste figurino encontramos o sujeito que, ao que tudo indica, pode até não saber a diferença entre conjunções coordenativas adversativas, aquelas que possuem a função de estabelecer uma relação de contraste entre os sentidos de dois termos ou duas orações de mesma função gramatical, e as conjunções subordinativas causais, aquelas que subordinam uma oração a outra, iniciando uma oração que exprime causa de outra oração, à qual se subordina. Afinal, pensando bem, será mesmo imprescindível que um governante saiba a diferença entre as duas conjunções?

É um figurino feito para nocautear qualquer assessoria da Presidência. O sujeito simplesmente dispensa os textos pré-escritos, prefere uma vez em mil escrever o texto ali mesmo diante da audiência, olho no olho, com gestos largos, metáforas nascidas no sufoco do último Fla x Flu, conselhos aos técnicos de futebol entremeados com o tema da inauguração, seja um hospital ou um novo trecho da nossa Transiberiana, a eterna construção da nossa conhecida ferrovia Norte-Sul.

Não pode falar da imprensa

O estilo de contumaz "sincericida" (aquele que comete sincericídio) pode estar na origem da aprovação popular que desfruta para desgosto de quem escreveu o editorial da Folha, quando ao referir-se ao presidente disse que "agora, ao criticar mais uma vez a imprensa, comporta-se como quem aspira à unanimidade – algo que está longe de ser um padrão democrático." Se as declarações do presidente, quando reunidas, se transformassem em bolo... diríamos então que o editorial da Folha sob enfoque seria sua cereja. É verdade que a grande imprensa até que se esforça para não vestir as carapuças distribuídas com generosidade pelo presidente. Verdade também que estas, quando bem encaixadas – como é o caso do editorial aventado –, vestem muito bem.

Por dizer o que pensa e não o que os assessores gostariam que ele dissesse, o presidente é duplamente rechaçado pela grande mídia. Suas frases escalam o topo das manchetes, principalmente se forem ardilosamente descontextualizadas. Um termo comum nas ruas do país passa batido por qualquer analista político ou redator de editorial. Mas se o termo provier da boca do presidente... é um Deus-nos-acuda!

E foi exatamente o que aconteceu em 10/12/2009. Em São Luís do Maranhão, o presidente, para afirmar que seu governo investe em saneamento básico, disse textualmente: "Eu quero saber se o povo está na merda e eu quero tirar o povo da merda em que ele se encontra". E como alguém que de bobo só tem os amigos, o presidente previu que seria criticado e disse que os comentadores dos grandes jornais destacarão o uso de um palavrão no seu discurso. Arrematou a função de vidente com a afirmação: "Mas eu tenho consciência de que eles falam mais palavrão do que eu todo dia e tenho consciência de como vive o povo pobre deste país" (escrevi sobre o assunto neste OI, "Ecos do Brasil profundo").

Tenho uma coleção de frases do presidente, pois afinal defendi tese na academia com o explicativo título-tema "As frases do presidente Lula", cobrindo os primeiros cinco meses de seu primeiro mandato, de 1/1 a 31/05/2003. Portanto, tenho assim um mínimo de conhecimento do assunto. Mas aqui o assunto é outro. O que me causa perplexidade é que este presidente, sempre tão loquaz, tão espontâneo, palpiteiro que dá dó, com um porcentual de aprovação do povo brasileiro na marca recorde de invejáveis 83%, pode falar de tudo... opa!, tudo não, ele não pode falar da imprensa. Mas o contrário, falar dele e de forma pouco lisonjeira, é a mais lídima verdade. A imprensa pode falar o que quiser, descontextualizar suas falas com grande regularidade, provocar sua indignação, reduzi-lo a um reles analfabeto que chegou à Presidência da República.

Político de duas palavras

Até o filme que retrata parte de sua vida parece ter como título O filho do Demo, e não O filho do Brasil: a revista Veja apresenta o filme em seu sítio como um dos 10 piores filmes da história do cinema brasileiro. Desde quando ter 900 mil espectadores em dois meses de exibição é um fracasso de público? Será que o filme não foi o sucesso que se esperava "porque os brasileiros sabem tudo sobre Lula"? E que os brasileiros podem vê-lo e tocá-lo todos os dias? Sabem toda sua história de menino pobre, contada mil vezes por ele mesmo?

Para chegar aos 83% de aprovação popular, pode-se inferir o que escreveu o diário espanhol El País:

"Os brasileiros gostam do Lula de verdade, de carne e osso, com seus erros de gramática quando fala, o Lula vestido por estilistas famosos, elegantíssimo em Davos, e o Lula com o boné da Petrobras e a camisa de operário, entre os camponeses do Movimento dos Sem Terra."

A mídia não gosta de seus amigos e faz questão que todos eles, assim de cambulhada, sejam tratados como persona non grata. Alguns bem controvertidos, polêmicos quando não ditadores, e tiranos. Alguns amigos do presidente – Fidel à frente, Hugo Chávez, Evo Morales, Cristina Kirchner, Fernando Lugo, Mahmud Ahmadinejad etc. – não podem ser convidados para a mesma mesa (nem para o mesmo restaurante) que a grande mídia brasileira. Mas, principalmente, os amigos do presidente e a grande mídia não deveriam nem mesmo fazer parte de uma mesma frase. O problema é que o presidente perseguiu uma política de boa vizinhança que o deixa muito à vontade com seus atuais amigos de infância, gente como Nicolas Sarkozy, Barack Obama, Silvio Berlusconi, Michelle Bachelet, Gordon Brown.

Se o presidente, para desanuviar a cabeça em seu gabinete no Palácio do Planalto, sintonizar a rádio que toca notícias, a CBN, terá cinco chances em cinco de ouvir os gracejos do jornalista Heródoto Barbeiro colocando no ar vinhetas editadas em que suas falas são confundidas com as falas do saudoso prefeito de Sucupira, o grande Odorico Paraguaçu. Essas vinhetas, sempre muito engraçadas, são difundidas apenas como forma de expressar o desalento da emissora e do apresentador para a pessoa do presidente.

Como o objetivo é ridicularizá-lo, chamá-lo de caipira, coronel do Brasil profundo, iletrado, fisiológico, tacanho, antiético, político de duas palavras (na linguagem do prefeito Odorico, seria `pessoa bivocabular´), entende-se que a vinheta deve ser do agrado de todo mundo que rende homenagens ao maior ator do Brasil, Paulo Gracindo. Dificilmente o presidente deveria gostar de ver sua voz, sua fala, ser ironizada e sarcasticamente apresentada como sendo do prefeito sucupirense.

Estamos nos idos de março. Pelo andar da carruagem, a temperatura poderá ferver bem acima do esperado antes mesmo de chegar setembro, outubro de 2010.

Relações cordiais

Se as declarações do presidente sobre a forma como a imprensa noticia seu governo são recebidas com tanto açodamento, entendo que não demora muito para que uma colisão se materialize. É fato que a relação entre governos e imprensa é em geral muito sensível, delicada e sempre à beira de um impasse ou, ao menos, de turbulências. Nos Estados Unidos, as relações entre o presidente Obama e alguns veículos de comunicação são profundamente conflituosas. Basta recordar que, não faz muito tempo, a Casa Branca informou que passaria a tratar a conservadora rede de TV Fox News como partido de oposição, e não veículo de comunicação.

Alguém já imaginou tal evento no Brasil? Alguém já pensou como seria a repercussão de um comunicado da Secretaria de Comunicação da Presidência da República dizendo que a partir daquela data o governo consideraria a revista Veja como porta-voz da oposição? Ou, então, a rede Globo ser vista como irmã siamesa da Fox News norte-americana, com viés eminentemente político-partidário e sempre vociferando contra tudo que traga consigo a lembrança do governo?

Ora, não preciso ser amigo da madame Carlota para, pegando de empréstimo sua bola de cristal, antever o clima do filme 2012 transbordando por toda a sociedade brasileira. No caso do Brasil, não consigo imaginar o presidente se policiando e se omitindo de expressar sua opinião sobre qualquer assunto, pois seria uma espécie de autossabotagem. Também não consigo ver a imprensa deixando de fazer o que acredita ser seu papel: noticiar tudo o que quer, da forma que quer e como deseja que seja vista, lida e analisada esta ou aquela ação governamental.

Uma coisa é certa: o Brasil nada ganha com uma queda de braço entre governo e mídia. Ao contrário, só tem a perder. As energias de um e de outro seriam deslocadas de sua missão principal para articular ataques e contra-ataques, baseados em fatos ou fundados em versões, criar escaramuças e tudo isso redundar na velha conhecida guerra das vaidades, dos egos inflados e feridos, mágoas e ressentimentos. É o momento de os dois aparentes antagonistas refletirem pausadamente sobre a relação que desejam ter porque só valorizamos o clima de harmonia entre governo e imprensa quando, infelizmente, já o perdemos.

É tempo de posicionar o carro dos bombeiros, conferir os equipamentos, atentar para o volume de água disponível. E esperar que estas relações sejam cordiais, quando não amistosas e sinceras. Sem dúvida, é algo mais fácil que – parafraseando Don Henley, vocalista do Eagles – o inferno congelar.

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