A Universidade Federal de Campina Grande tem uma forte tradição
extensionista, com fundamentos fincados na sua origem mais remota, a Escola
Politécnica de Campina Grande (POLI), criada em 1952 a partir da mobilização da
sociedade civil organizada, numa conjuntura em que a cidade se destacava como o
principal polo de desenvolvimento do interior do Nordeste e um dos mais
dinâmicos do Brasil.
No auge do “Ciclo do algodão”, Campina Grande era chamada de Liverpool
brasileira, por ser a segunda maior exportadora mundial da fibra. No
quadriênio 1950/1954, o município contribuía com 1/3 da receita fiscal do
Estado e, em 1955, sua arrecadação de impostos foi maior do que a de seis
capitais nordestinas (Aracaju, Maceió, João Pessoa, Natal, Teresina e São Luís),
superando ainda Florianópolis, Manaus e Cuiabá. Em 1959 havia 111
estabelecimentos industriais na cidade, contra 93 em João Pessoa. Aliás, a
pujança industrial de Campina Grande era tão expressiva, que a única sede de
Federação das Indústrias fora de uma capital de Estado no Brasil foi ali
implantada, em 1949, permanecendo até hoje na cidade.
Assim, de acordo com documentos da época, a criação da Escola Politécnica
de Campina Grande visava cumprir um duplo objetivo: oferecer educação superior
aos jovens campinenses e ser um instrumento
de desenvolvimento para a região, isto é, assumindo um perfil
institucional claramente extensionista. A escolha do curso de Engenharia Civil
para inaugurar o ensino superior na cidade representa a cabal demonstração
deste fato. Em face do número expressivo de obras públicas então em andamento
na órbita da cidade (açude Epitácio Pessoa, em Boqueirão, a abertura da Rodovia
Central da Paraíba, atual BR-230, a construção do ramal ferroviário Campina
Grande-Patos, dentre outras) e o aquecido mercado imobiliário da cidade,
movimentado pelo dinheiro do algodão, oferecia um amplo campo de trabalho para
os egressos, que, além da inserção profissional regular como profissionais
liberais, poderiam atuar diretamente no processo de desenvolvimento local, como
verdadeiros protagonistas da implantação da infraestrutura que visava sustentar
o progresso regional. Com efeito, a
própria construção do modernista edifício sede da POLI foi projetada e
executada por um “Escritório Técnico” formado por professores e estudantes do
curso de Engenharia Civil, criado em 1954.
A partir da fundação da Faculdade de Ciências Econômicas de Campina
Grande (FACE), em 1955 e da criação, no final do mesmo ano, da Universidade da
Paraíba, congregando várias escolas superiores isoladas em João Pessoa, Campina
Grande e Areia, o compromisso do ensino superior campinense com o
desenvolvimento local ganha novas cores, enriquecido pela reflexão humanística.
De fato, em 1956 é criado o “Grupo Desenvolvimentista Campinense”, com presença
de professores e alunos da POLI e da FACE, após a realização do Iº Encontro de
Bispos do Nordeste em Campina Grande, com a presença do Presidente Juscelino
Kubitscheck, que teve como decorrência a criação do Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), origem da SUDENE. O Grupo
Desenvolvimentista Campinense atuou intensamente na reflexão sobre o
desenvolvimento local e, em 1958, no “pico” de uma grande seca, é oferecido o
primeiro Curso de Extensão de que se tem notícia na Instituição, denominado
“Problemas do Nordeste”, o qual se tornaria uma disciplina regular do currículo
de Engenharia da POLI.
Depois da federalização da Universidade da Paraíba em 1960, um dos
últimos atos do governo JK, o primeiro novo curso criado em Campina Grande foi
o de Sociologia e Política da FACE, em 1962, que daria um tom de engajamento
social e espírito crítico ao campus campinense, numa época efervescente da vida
nacional.
Mas, o regime de exceção implantado em 1964 viria a inibir fortemente o
viés desenvolvimentista da escola superior, particularmente no campo
humanístico, tolhendo suas interações mais orgânicas com a sociedade e suas
organizações. Entretanto, ainda durante o período ditatorial, um reitor
visionário viria a reconfigurar o perfil da Instituição, revitalizando sua
vocação interacionista e seu compromisso com o desenvolvimento local.
Entre 1976 e 1980, Lynaldo Cavalcanti transformou a Universidade Federal
da Paraíba, colocando-a entre as maiores do Brasil, com sua inédita estrutura multicampi. Expandiu e interiorizou,
fundando os campi de Bananeiras,
Patos, Sousa e Cajazeiras. Com a instalação de mais de 20 núcleos
interdisciplinares, a universidade reconstruía os caminhos da excelência na
pesquisa e extensão e, em plena ditadura militar, a universidade se politizava
com a nomeação de professores de alto nível, muitos deles de esquerda, alguns
voltando do exílio e outros saindo do ostracismo forçado pelo regime de
exceção.
Já nos
estertores do interregno ditatorial, contando com esse novo caldo cultural, a extensão universitária
se restauraria vivamente no Campus II
da UFPB, notadamente nas áreas tecnológicas, com o desenvolvimento e difusão de
tecnologias apropriadas para o Semiárido, e na área humanística, com uma forte
interação com os movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Essas
duas vertentes da extensão universitária confluíam para as camadas mais
desfavorecidas da população residente na região mais pobre do país, renovando
os compromissos proativos da Instituição com o desenvolvimento local e a
inclusão social.
Com a
criação da UFCG em 2002 por desmembramento da UFPB, congregando os campi de Campina Grande, Patos, Sousa e
Cajazeiras, um novo ciclo institucional se inicia e o reitorado pro tempore de Thompson Mariz mostrar-se-ia
amplamente favorável às ações de extensão. Digo isso “a cavaleiro” porque tive
a felicidade e a honra de contar com o seu entusiasmo, apoio e parceria na
construção do Projeto Universidade Camponesa (UNICAMPO), uma ambiciosa ação de
extensão universitária compartilhada com o CIRAD, instituição francesa com a
qual mantínhamos um convênio de cooperação. O campus avançado implantado em solenidade presidida pelo jovem
reitor na Escola Agrotécnica de Sumé em setembro de 2003 para o desenvolvimento
das atividades do projeto seria a “cabeça de ponte” do Plano de Expansão
Institucional (PLANEXP) da UFCG, através do qual criaríamos três novos campi entre 2006 e 2009: Cuité, Pombal e
Sumé. Profecia autorrealizável que cometemos numa reunião com Thompson Mariz em
2003 quando apresentamos pela primeira vez o projeto de extensão, seu apelo foi
tão fundo, que sensibilizou o reitor a ponto de motivá-lo a pedir audiência com
o então ministro da Educação, Cristóvão Buarque, para que eu, ao lado dele e do
legendário Lynaldo Cavalcanti, apresentasse a ideia ao próprio ministro. No dia
03/09/2003, o Correio da Paraíba noticiou a memorável audiência, estampando uma
manchete ainda mais profética que a minha: “Universidade deverá ser criada na
cidade de Sumé”.
E
assim foi. Do projeto de extensão UNICAMPO, surgiram os três novos campi da Instituição, entre os quais o
de Sumé, onde estão lotados os professores e matriculados os estudantes que nos
brindam com os trabalhos publicados neste instigante Educação, Direitos Humanos e Cidadania no Semiárido, fruto de
projetos aprovados no Programa de Extensão Universitária (PROEXT) em 2011,
quando o Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA) contava com
pouco mais de um ano de funcionamento.
São
reflexões sobre projetos de extensão que estão agindo concretamente sobre
questões cruciais da vida social da região, como o pleno acesso à educação pelos
deficientes auditivos, que inclusive redundou num convênio entre o CDSA/UFCG e
a Prefeitura Municipal de Sumé para a criação de uma escola bilíngue que
atualmente atende a estudantes surdos de todo o Cariri paraibano, a inclusão
educacional de sujeitos com deficiências mentais e as problemáticas da
violência, do poder, da cidadania e dos direitos humanos, enfeixadas no âmbito
do Centro de Direitos Humanos do Cariri Paraibano, instalado no CDSA em
parceria com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da
República.
Os
trabalhos aqui publicados demonstram que a vocação extensionista da UFCG está
cada vez mais viva, renovando-se a cada dia seu compromisso proativo com os segmentos sociais mais vulneráveis e excluídos,
compromisso este agora revigorado com os novos atores de “dentro” e de “fora” da Instituição, incluídos no
processo de ensino, pesquisa e extensão pela democratização do acesso a ela,
propiciado pela recente expansão institucional, que, trilhando os caminhos da
interiorização, encontra e procura transformar este lindo, mas sofrido Brasil
mais profundo.