sábado, 10 de novembro de 2018

Bolsonaro Presidente. De quem é a culpa?



A eleição de Jair Bolsonaro para o mais alto cargo da República tem levado muita a gente a se perguntar: de quem é a culpa? Não é para menos. Quando se olha para a história de vida e o discurso do sujeito, é de se ficar estupefato que um homem tão medíocre e mesquinho tenha conseguido tal proeza.
Capitão do Exército de carreira curta e pífia, ficou conhecido do público com um artigo que publicou na Revista Veja em 1986, reclamando dos salários da tropa (veja aqui), pelo que foi condenado por corte marcial e puxou 15 dias de cadeia. Inconformado com a punição e ainda insatisfeito com o salário, ele e mais dois colegas da Arma elaboraram um plano terrorista batizado de “Beco sem saída”, que visava explodir bombas em quartéis do Exército. O plano era uma chantagem, pois foi vazado por eles próprios para a mesma Revista Veja, que deu grande destaque à matéria (veja aqui). Bolsonaro já usava fake news para atingir os seus objetivos...
E, de fato, os atingiu, pois como ele mesmo admite, esse imbróglio fez do capitão insatisfeito com o seu soldo vereador do Rio de Janeiro, eleito em 1988 (veja aqui). Com um salário melhor no bolso, entrou logo para a reserva. Bye bye, vida dura da caserna...
Daí, trilhou os caminhos do político tradicional brasileiro. Fez carreira parlamentar, colocou os três filhos para fazer o mesmo e, rapidamente, multiplicou o patrimônio da família (veja aqui), ocultando-o quando achou por bem ocultá-lo (veja aqui). Durante 27 anos, foi um obscuro deputado federal do chamado “baixo clero”, grupo de parlamentares fisiológicos com pouca influência na Câmara dos Deputados. O pessoal do “toma lá, dá cá”.
Nesse tempo todo como deputado, Bolsonaro teve apenas um projeto de lei de sua autoria sancionado (veja aqui), nunca relatou proposições de destaque e nem presidiu comissões ou liderou bancada (veja aqui). O que o notabilizou foi o seu discurso direitista radicalóide e autoritário. Em elucubrações raivosas, destila desprezo e ódio a mulheres, negros, índios, homossexuais, pobres, nordestinos e que tais. Diz que as minorias têm que se curvar ante a maioria. Defende a ditadura e a tortura. Acha que bandido bom é bandido morto. Jacta-se de sonegar impostos. Derrama impropérios contra os seus adversários. Acha bonito ser um brucutu.
No primeiro turno da eleição, verborrágico de fazer corar um Ciro Gomes, Bolsonaro só abria a boca para falar besteira. Dizia o que queria e se desdizia ao sabor das circunstâncias. Admitia, sem qualquer pejo, não entender nada de economia, saúde ou educação. Suas análises e propostas para o país tinham a profundidade de um pires. Nos debates, comportava-se como um bufão. Era o bobo da corte.
Com Lula na disputa, mesmo preso e incomunicável numa solitária em Curitiba, Bolsonaro não tinha a menor chance, pois o ex-presidente nunca obteve menos do que 30% da preferência popular nas pesquisas e atingiria 39% na última que foi feita com o seu nome (veja aqui). Se a Constituição valesse no Brasil, Lula teria sido eleito no primeiro turno. Mas, vivemos numa República das Bananas...
Assim, foram três degraus para a ascensão vertiginosa de Bolsonaro. Primeiro, a conveniente facada sem sangue em Juiz de Fora, no único dia da campanha em que ele não usou colete a prova de balas. O “atentado” tirou o bobo da corte de cena, calou a sua matraca e transformou o brucutu em vítima. Depois, a impugnação da candidatura de Lula, que removeu a grande pedra do seu caminho. Finalmente, a disseminação em massa das fake news pelo WhatsApp, financiada por empresas através de caixa 2, o “me engana que eu gosto” do eleitorado conservador, turbinado pelo apoio de Edir Macedo, sua Igreja e emissora de TV. Tudo com o beneplácito de um Judiciário leniente quando assim lhe interessa. Além da ajuda da imprensa corporativa, é claro.
Mas, isso não foi suficiente para a vitória de Bolsonaro no primeiro turno. “Bateu na trave”. O que indica que a estratégia do PT de manter a candidatura de Lula até a undécima hora foi correta.
No segundo turno, Bolsonaro seguiu a mesma tática furtiva: nenhum debate com o adversário; nada de detalhar propostas para o eleitorado; muitas intrigas, mentiras e bravatas nas redes sociais; entrevistas boazinhas com a imprensa amiga.
Enquanto isso, Haddad crescia a olhos vistos na campanha, impulsionado pela militância – orgânica e espontânea – que, num movimento de massa sem precedentes na história das eleições no Brasil, foi às ruas e às redes sociais para conquistar o voto dos indecisos, sensibilizar os desalentados com a política a não se absterem ou votarem em branco ou nulo e, claro, para virar os votos do oponente. Esse foi o destaque da campanha eleitoral de 2018: a emergência de uma numerosa, ativa e voluntarista militância democrático-progressista, de esquerda e de centro-esquerda, composta por gente de todas as idades disposta a lutar por seus ideais, mas cuja extraordinária dedicação à campanha de Haddad não foi suficiente para dar-lhe a vitória.
Então, o que explica a vitória de Bolsonaro?
Em primeiro lugar, a prisão política de Lula e a mordaça que a Justiça impôs a ele. O ex-presidente, favorito do povo, não pôde sequer gravar um áudio pedindo voto para o seu candidato. Permaneceu confinado em Curitiba, sob o tacão do juiz(?) Sérgio Moro, na verdade um cabo eleitoral de Bolsonaro, cuja máscara caiu quando ele aceitou o cargo de ministro da Justiça no novo governo.
Em segundo lugar, a ideologia. O discurso de Bolsonaro “colou” porque faz sentido numa sociedade autoritária, hipócrita, machista e individualista como poucas. Ora, o Brasil foi o último país do Mundo a abolir a escravidão e as empregadas domésticas trabalhavam quase como escravas até 2015. Uma República que foi proclamada por meio de um golpe militar, que já completou 129 anos e nunca teve mais de 30 anos seguidos de normalidade democrática. O país da “democracia racial” fajuta, da boca para fora, e da “cordialidade” cínica, que já não enganam mais ninguém. Hipocrisia pura. O país em que se registra oficialmente um caso de violência doméstica a cada dois minutos, um estupro a cada dez minutos (veja aqui) e que uma mulher é assassinada a cada duas horas (veja aqui). O país que é o segundo do Mundo em sonegação de impostos (veja aqui), cujos profissionais liberais têm dois preços para os serviços que prestam (“com” ou “sem recibo”), em que o consumidor tem que pedir (e, às vezes, brigar) por uma nota fiscal, em que empresários, na maior sem-cerimônia, maquiam a contabilidade, remetem lucros para paraísos fiscais e fazem caixa dois para si e para políticos amigos. O país em que a classe média endinheirada compra aparelhinhos chineses para burlar as TVs por assinatura. O país do “topa tudo por dinheiro” e do “se colar, colou”. Pois é, colou...
Em terceiro lugar, o antipetismo cultivado pela mídia com o auxílio de um Judiciário reacionário, parcial e seletivo (“com STF e tudo”), desde que o PT chegou ao poder. Foram anos e anos de massacre midiático, com o cidadão sendo diariamente bombardeado com o discurso monocórdico desse nosso jornalismo de release e os editoriais uníssonos do baronato que controla os meios de comunicação no Brasil. A veiculação, ad nauseam, de interpretações negativas dos fatos, mesmo quando o país contava com altíssimo respeito internacional e passava por momentos extraordinariamente positivos, apresentando nítido desenvolvimento econômico, investimentos robustos na infraestrutura, ampliação de oportunidades para todos, ascensão social e geração de emprego e renda.
Na mesma toada, a repercussão diuturna de processos judiciais tendenciosos, sempre com dois pesos e duas medidas. Nenhum dirigente do PT foi jamais condenado por enriquecimento ilícito, mas todos os filiados ao partido são considerados ladrões. Lula, sua família e amigos, seu Instituto e sua empresa de palestras foram investigados furiosamente. Nunca se descobriu uma conta no exterior, uma mala (nem sacola) de dinheiro ou qualquer bem ocultado; nenhum pagamento por palestra que não tivesse os tributos pagos e fosse registrado em seu imposto de renda; qualquer benesse recebida a que título fosse; sequer uma mísera gravação de ligação telefônica em que se falasse de propina ou atos ilícitos do ex-presidente. Lula foi condenado por um juiz-político, num processo “que não para em pé” (Gilmar Mendes), por uma reforma que não existiu num apartamento que nunca foi dele.
Uma mentira repetida mil vezes vira verdade, propalou Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. Assim foi na Alemanha nazista com a fixação, no consciente coletivo, da imagem do judeu como a causa dos problemas econômicos do país e, no Brasil, com a cristalização do petralha como o responsável por todos os males da política nacional. Em ambos os casos, são “arquétipos do mal” construídos para servirem como uma cortina de fumaça entre os interesses da direita e a psique coletiva de sociedades autoritárias e conservadoras. Assim, culpar o PT pela vitória de Bolsonaro é como culpar a mulher sexy pelo estupro que ela sofreu.
Se a culpa não foi do PT, também não foi de Ciro Gomes que, embora tenha tirado férias no segundo turno, ficado em cima do muro como um tucano e agido, com o irmão, como um quinta-coluna, seu eleitorado migrou em massa para Haddad no momento decisivo.
De fato, quando olhamos para os números da eleição (veja o Quadro abaixo), percebemos que Haddad teve uma evolução de 50,09% no seu desempenho, saindo de 31.342.051 votos no primeiro turno (29,28%) para 47.040.906 no segundo (44,87%), isto é, 15.698.855 votos a mais. Ciro (13.344.371 votos no primeiro turno), Marina, Boulos e Goulart Filho, cujo eleitorado apresenta um perfil de centro-esquerda, obtiveram, juntos, 15.061.247 votos, que é uma grandeza numérica bem semelhante ao crescimento de Haddad e, portanto, podemos inferir que houve uma transferência massiva desses votos para ele. Evidentemente não houve 100% de transferência e, mesmo assim, ainda ficariam “faltando” 637.608 mil votos para completar a diferença que, tudo indica, vieram majoritariamente dos votos brancos virados, pois esses diminuíram em 620 mil do primeiro para o segundo turno.


Quadro 1 – Transferência de Votos do 1º ao 2º Turno (Inferência)
Eleições Presidenciais – Brasil, 2018


                                                                                            Fonte: elaboração própria com dados do TSE

Por outro lado, Bolsonaro evoluiu também (17,29%), tendo obtido 8.520.837 votos a mais no segundo turno, os quais devem ter sido herdados, majoritariamente, de Alckmin, Amoêdo, Daciolo, Meirelles, Álvaro e Eymael, candidatos alinhados ideologicamente a ele, que, entretanto, haviam somado 11.314.679 votos no primeiro turno. Assim, “sobrariam” 2.793.842 votos, o que indica que a imensa maioria dos eleitores deles que não votaram em Bolsonaro, também não votaram em Haddad, como o eleitorado ideológico de Vera (55.762 votos no primeiro turno), considerando-se o histórico do PSTU. Com efeito, somando-se as “sobras” de Alckmin, Amoêdo, Daciolo, Meirelles, Álvaro e Eymael com os votos de Vera, obtemos um total de 2.849.604 votos, montante bem próximo das 2.832.416 abstenções e votos nulos adicionados no segundo turno.

Bem, se é assim, de quem, afinal, é a responsabilidade pela eleição de Jair Bolsonaro? Elementar, meus caros e caras. A responsabilidade é de quem votou nele.