terça-feira, 27 de novembro de 2012

Educação, Direitos Humanos e Cidadania no Semiárido - Prefácio


A Universidade Federal de Campina Grande tem uma forte tradição extensionista, com fundamentos fincados na sua origem mais remota, a Escola Politécnica de Campina Grande (POLI), criada em 1952 a partir da mobilização da sociedade civil organizada, numa conjuntura em que a cidade se destacava como o principal polo de desenvolvimento do interior do Nordeste e um dos mais dinâmicos do Brasil.
No auge do “Ciclo do algodão”, Campina Grande era chamada de Liverpool brasileira, por ser a segunda maior exportadora mundial da fibra. No quadriênio 1950/1954, o município contribuía com 1/3 da receita fiscal do Estado e, em 1955, sua arrecadação de impostos foi maior do que a de seis capitais nordestinas (Aracaju, Maceió, João Pessoa, Natal, Teresina e São Luís), superando ainda Florianópolis, Manaus e Cuiabá. Em 1959 havia 111 estabelecimentos industriais na cidade, contra 93 em João Pessoa. Aliás, a pujança industrial de Campina Grande era tão expressiva, que a única sede de Federação das Indústrias fora de uma capital de Estado no Brasil foi ali implantada, em 1949, permanecendo até hoje na cidade.
Assim, de acordo com documentos da época, a criação da Escola Politécnica de Campina Grande visava cumprir um duplo objetivo: oferecer educação superior aos jovens campinenses e ser um instrumento de desenvolvimento para a região, isto é, assumindo um perfil institucional claramente extensionista. A escolha do curso de Engenharia Civil para inaugurar o ensino superior na cidade representa a cabal demonstração deste fato. Em face do número expressivo de obras públicas então em andamento na órbita da cidade (açude Epitácio Pessoa, em Boqueirão, a abertura da Rodovia Central da Paraíba, atual BR-230, a construção do ramal ferroviário Campina Grande-Patos, dentre outras) e o aquecido mercado imobiliário da cidade, movimentado pelo dinheiro do algodão, oferecia um amplo campo de trabalho para os egressos, que, além da inserção profissional regular como profissionais liberais, poderiam atuar diretamente no processo de desenvolvimento local, como verdadeiros protagonistas da implantação da infraestrutura que visava sustentar o progresso regional.  Com efeito, a própria construção do modernista edifício sede da POLI foi projetada e executada por um “Escritório Técnico” formado por professores e estudantes do curso de Engenharia Civil, criado em 1954.
A partir da fundação da Faculdade de Ciências Econômicas de Campina Grande (FACE), em 1955 e da criação, no final do mesmo ano, da Universidade da Paraíba, congregando várias escolas superiores isoladas em João Pessoa, Campina Grande e Areia, o compromisso do ensino superior campinense com o desenvolvimento local ganha novas cores, enriquecido pela reflexão humanística. De fato, em 1956 é criado o “Grupo Desenvolvimentista Campinense”, com presença de professores e alunos da POLI e da FACE, após a realização do Iº Encontro de Bispos do Nordeste em Campina Grande, com a presença do Presidente Juscelino Kubitscheck, que teve como decorrência a criação do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), origem da SUDENE. O Grupo Desenvolvimentista Campinense atuou intensamente na reflexão sobre o desenvolvimento local e, em 1958, no “pico” de uma grande seca, é oferecido o primeiro Curso de Extensão de que se tem notícia na Instituição, denominado “Problemas do Nordeste”, o qual se tornaria uma disciplina regular do currículo de Engenharia da POLI.
Depois da federalização da Universidade da Paraíba em 1960, um dos últimos atos do governo JK, o primeiro novo curso criado em Campina Grande foi o de Sociologia e Política da FACE, em 1962, que daria um tom de engajamento social e espírito crítico ao campus campinense, numa época efervescente da vida nacional.
Mas, o regime de exceção implantado em 1964 viria a inibir fortemente o viés desenvolvimentista da escola superior, particularmente no campo humanístico, tolhendo suas interações mais orgânicas com a sociedade e suas organizações. Entretanto, ainda durante o período ditatorial, um reitor visionário viria a reconfigurar o perfil da Instituição, revitalizando sua vocação interacionista e seu compromisso com o desenvolvimento local.
Entre 1976 e 1980, Lynaldo Cavalcanti transformou a Universidade Federal da Paraíba, colocando-a entre as maiores do Brasil, com sua inédita estrutura multicampi. Expandiu e interiorizou, fundando os campi de Bananeiras, Patos, Sousa e Cajazeiras. Com a instalação de mais de 20 núcleos interdisciplinares, a universidade reconstruía os caminhos da excelência na pesquisa e extensão e, em plena ditadura militar, a universidade se politizava com a nomeação de professores de alto nível, muitos deles de esquerda, alguns voltando do exílio e outros saindo do ostracismo forçado pelo regime de exceção.
Já nos estertores do interregno ditatorial, contando com esse novo caldo cultural, a extensão universitária se restauraria vivamente no Campus II da UFPB, notadamente nas áreas tecnológicas, com o desenvolvimento e difusão de tecnologias apropriadas para o Semiárido, e na área humanística, com uma forte interação com os movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Essas duas vertentes da extensão universitária confluíam para as camadas mais desfavorecidas da população residente na região mais pobre do país, renovando os compromissos proativos da Instituição com o desenvolvimento local e a inclusão social.
Com a criação da UFCG em 2002 por desmembramento da UFPB, congregando os campi de Campina Grande, Patos, Sousa e Cajazeiras, um novo ciclo institucional se inicia e o reitorado pro tempore de Thompson Mariz mostrar-se-ia amplamente favorável às ações de extensão. Digo isso “a cavaleiro” porque tive a felicidade e a honra de contar com o seu entusiasmo, apoio e parceria na construção do Projeto Universidade Camponesa (UNICAMPO), uma ambiciosa ação de extensão universitária compartilhada com o CIRAD, instituição francesa com a qual mantínhamos um convênio de cooperação. O campus avançado implantado em solenidade presidida pelo jovem reitor na Escola Agrotécnica de Sumé em setembro de 2003 para o desenvolvimento das atividades do projeto seria a “cabeça de ponte” do Plano de Expansão Institucional (PLANEXP) da UFCG, através do qual criaríamos três novos campi entre 2006 e 2009: Cuité, Pombal e Sumé. Profecia autorrealizável que cometemos numa reunião com Thompson Mariz em 2003 quando apresentamos pela primeira vez o projeto de extensão, seu apelo foi tão fundo, que sensibilizou o reitor a ponto de motivá-lo a pedir audiência com o então ministro da Educação, Cristóvão Buarque, para que eu, ao lado dele e do legendário Lynaldo Cavalcanti, apresentasse a ideia ao próprio ministro. No dia 03/09/2003, o Correio da Paraíba noticiou a memorável audiência, estampando uma manchete ainda mais profética que a minha: “Universidade deverá ser criada na cidade de Sumé”.
E assim foi. Do projeto de extensão UNICAMPO, surgiram os três novos campi da Instituição, entre os quais o de Sumé, onde estão lotados os professores e matriculados os estudantes que nos brindam com os trabalhos publicados neste instigante Educação, Direitos Humanos e Cidadania no Semiárido, fruto de projetos aprovados no Programa de Extensão Universitária (PROEXT) em 2011, quando o Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA) contava com pouco mais de um ano de funcionamento.
São reflexões sobre projetos de extensão que estão agindo concretamente sobre questões cruciais da vida social da região, como o pleno acesso à educação pelos deficientes auditivos, que inclusive redundou num convênio entre o CDSA/UFCG e a Prefeitura Municipal de Sumé para a criação de uma escola bilíngue que atualmente atende a estudantes surdos de todo o Cariri paraibano, a inclusão educacional de sujeitos com deficiências mentais e as problemáticas da violência, do poder, da cidadania e dos direitos humanos, enfeixadas no âmbito do Centro de Direitos Humanos do Cariri Paraibano, instalado no CDSA em parceria com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República.
Os trabalhos aqui publicados demonstram que a vocação extensionista da UFCG está cada vez mais viva, renovando-se a cada dia seu compromisso proativo com os segmentos sociais mais vulneráveis e excluídos, compromisso este agora revigorado com os novos atores de “dentro” e de “fora” da Instituição, incluídos no processo de ensino, pesquisa e extensão pela democratização do acesso a ela, propiciado pela recente expansão institucional, que, trilhando os caminhos da interiorização, encontra e procura transformar este lindo, mas sofrido Brasil mais profundo.