terça-feira, 25 de agosto de 2009

Professor da UFCG participa da elaboração do Relatório do Desenvolvimento Humano no Brasil

Márcio Caniello teve artigo selecionado para embasar documento

O diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA). campus Sumé, professor Márcio Caniello, participa em Brasília do workshop sobre Valores e Desenvolvimento Humano promovido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. O trabalho A identidade como valor: Reflexões sobre o ethos nacional brasileiro, escrito por Caniello a partir de sua tese de doutorado foi um dos artigos selecionados para embasamento do Relatório do Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010 (RDH).

O programa buscou artigos que pudessem responder algumas questões como: “O que são valores?”, “Quais são os valores dos brasileiros?” e “Como entender a formação histórica dos valores dos brasileiros?”

Já a escolha do tema do relatório foi feita por meio de uma consulta à população — a pesquisa Brasil Ponto a Ponto (http://www.brasilpontoaponto.org.br) — que contou com cerca de 500 mil respostas. Os assuntos que mais apareceram foram respeito, justiça, paz e ausência de preconceito. Além destes, educação e violência também foram mencionados por grande parte dos que responderam e devem entrar no relatório relacionados ao assunto central.

O relatório é publicado anualmente e parte do pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se deve considerar apenas a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana

Leia os artigos de Márcio Caniello em http://caniello.blogspot.com.

(Rosenato Barreto, do CDSA/UFCG)

http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=9255

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Paradoxos da "cidadania à brasileira"

Não é preciso ser um cientista social para saber que a desigualdade é o principal problema nacional, pois é notório o fato de que a distribuição de renda no Brasil é uma das mais iníquas do mundo. Com efeito, embora o IPEA tenha constatado que nos últimos anos a desigualdade de renda tenha declinado constante e substancialmente no país, sabe-se que atualmente a renda apropriada pelo 1% mais rico da população é igual à renda apropriada pelos 50% mais pobres e que o Brasil tem uma concentração de renda maior do que a observada em 95% dos países para os quais se tem dados (Barros; Foguel; Ulyssea, 2006: 15 e 22).

O que torna ainda mais perversa essa realidade é que além da brutal desigualdade econômica, há uma flagrante falta de eqüidade entre os cidadãos no acesso às salvaguardas que o Estado deveria outorgar a todos, pois a sociedade brasileira está emoldurada por um sistema hierárquico de relações sociais que define condições diferenciais de cidadania de acordo com a posição do indivíduo num panorama social dividido entre “superiores” e “inferiores” (Cf. DaMatta, 1983, 1987 e 1993). De fato, a “vertente relacional e hierarquizante de nossa constelação de valores” (DaMatta, 1987: 60) subsume o “caráter nivelador e igualitário” da cidadania (Cf. DaMatta, 1987: 76), pois quem trava relações com as instituições do Estado não são os indivíduos, formalmente iguais entre si, mas as pessoas, carregadas de atributos adquiridos pela sua posição econômica e pelo seu status.

Portanto, a desigualdade social no Brasil tem uma dupla face: por um lado, existe uma diferença econômica aguda entre a minoria abastada e a massa despossuída; por outro lado, há um verdadeiro abismo civil entre a elite e o povo.

Essa configuração dúplice tem uma profundidade histórica pronunciada, pois se podemos buscar as raízes da desigualdade econômica na ordem escravocrata da economia colonial (Cf. Prado Jr., 1989), a desigualdade civil é ainda mais antiga, pois se funda na própria “teia de relações senhoriais” (Genovese, 1979: 82), um dos principais traços do ethos lusitano desde a precoce afirmação nacional portuguesa (Cf. Caniello, 2001: 51). Considerando-se, por exemplo, a coexistência no Brasil colonial dos “escravos de ganho” com “indivíduos livres que eram sujeitos a coerção, sofriam discriminação, recebiam pouquíssima remuneração por seu trabalho e eram tolhidos pelo costume e pela prática” (Schwartz, 1995: 214), havemos de concordar que não foi o sistema de trabalho que deu origem ao nosso principal problema social, mas que ele é derivado de um padrão ético assentado numa clivagem estrutural entre os cidadãos, que, aliás, justificava o modelo de exploração do trabalho. Neste sentido, a perene e aguda desigualdade social no Brasil não é, tão somente, uma “herança da escravidão” como propugnam muitos analistas da nossa cena social, mas resulta de uma ordem ética que é anterior ao sistema escravocrata e que sobreviveu, praticamente incólume, à sua superação. Assim, consideramos que o estatuto da desigualdade civil é o elemento estrutural crítico do “legado cívico” (Cf. Putnam, 1996: 133) da sociedade brasileira, cuja “longa duração” (Cf. Braudel, 1958) a denuncia como a causa mais profunda da nossa crônica desigualdade socioeconômica.

De fato, desde a publicação em 1603 das Ordenações filipinas, nosso primeiro Código Penal, definiu-se um dos aspectos mais persistentes da cidadania à brasileira, a impunidade dos poderosos articulada à flagelação dos despossuídos; aquilo que Roberto DaMatta resumiu com o seu estilo direto: “Se o criminoso é pobre ou ignorante, pau nele! Mas se é um letrado, um doutor ou tem família, é tratado com todas as finezas a que uma pessoa tem direito” (DaMatta, 1996: 62). Hoje podemos observar que um dos signos mais expressivos desse aspecto perene, a desigualdade civil entre a elite e o povo, é uma relíquia do código filipino. A chamada “prisão especial” – “um traço do nosso sistema legal que dá a certas categorias de pessoas (...) o direito a um tratamento privilegiado por parte da Justiça, independente do crime cometido” (DaMatta, 1996: 208) – tem a sua origem nas disposições filipinas acerca dos procedimentos processuais, como fica dito no artigo 120:

“Mandamos que os fidalgos de solar ou assentados em nossos livros, e os nossos desembargadores, e os doutores em leis ou em cânones, ou em medicina, feitos em estudo universal por exame, e os cavaleiros fidalgos ou confirmados por nós, e os cavaleiros das Ordens Militares de Cristo, Santiago e Aviz, e os escrivães de nossa Fazenda e Câmara, e mulheres dos sobreditos, enquanto com eles forem casadas ou estiverem viúvas honestas, não sejam presos em ferros, senão por feitos em que mereçam morrer morte natural ou civil. E pelos outros, em que não caibam as ditas penas de morte, serão presos sobre suas homenagens, as quais devem fazer aos juízes que os prenderem, ou mandarem prender. E por eles lhes serão tomadas, e lhes darão por prisão o castelo da vila ou sua casa, ou a mesma cidade, vila ou lugar, segundo for a qualidade do caso.”

Podemos dizer, portanto, que a prática jurídica no Brasil colonial evidencia os principais paradoxos que ainda hoje caracterizam cidadania à brasileira, pois eles veiculam as influências das diferenças entre os cidadãos postas pela hierarquização do sistema social, pelos seus abismos econômicos e civis e pela interpolação entre o público e o privado na conduta das pessoas e no funcionamento das instituições.

O que torna essa operação mais abjeta é a brutal distorção da pirâmide social, em cuja base desproporcional está alocada a imensa maioria da população, enquanto o afilado cume é ocupado por uma reduzidíssima elite. É bem verdade que a draconiana letra da lei foi, pelo menos em parte, revogada, mas os seus preceitos permanecem a pautar, nos desvãos das nossas arenas institucionais, o exercício da justiça no Brasil que, com suas extravagâncias recursais, mostra-se tão favorável aos abonados pela fortuna e tão reticente quanto à impunidade dos poderosos e que, com seus foros e prisões especiais para a elite e os seus calabouços infectos para o povo, mostra sua face mais perversa: a sustentação do estatuto da desigualdade civil em pleno Século XXI.

Assim, a superação do nosso principal problema social - a desigualdade entre os cidadãos - não depende apenas da superação do abismo econômico entre as classes sociais, mas se liga umbilicalmente à necessidade de uma transformação profunda, ampla e radical no ordenamento da Justiça no Brasil.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Ricardo Paes de; FOGUEL, Miguel Nathan; ULYSSEA, Gabriel (orgs.) (2006). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília, IPEA, 2 vols. (http://www.ipea.gov.br/005/00502001.jsp?ttCD_CHAVE=295).

BRAUDEL, Fernand (1958). “A longa duração”, História e Ciências Sociais. Trad. Carlos Braga e Inácia Canelas. 2ª ed. Lisboa, Editorial Presença, 1976 (Biblioteca de Ciências Humanas).

CANIELLO, Márcio (2001) O Ethos Brasílico: sociologia histórica da formação nacional – 1500-1654. Tese de Doutoramento. Recife, PPGS/UFPE. (http://docs.google.com/fileview?id=0BxO9UflhPvRFNjg1MzZkNDYtYjhhZi00ZjJkLTlhZDAtMTFiOWM3N2QzZGIx&hl=pt_BR)

DAMATTA, Roberto (1983). Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro, Zahar.

_____________ (1987). A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro, Guanabara.

_____________ (1993). Conta de mentiroso: sete ensaios de antropologia brasileira. Rio de Janeiro, Rocco.

_____________ (1996). Torre de Babel: ensaios, crônicas, críticas, interpretações e fantasias. Rio de Janeiro, Rocco.

GENOVESE, Eugene D. (1979). O mundo dos senhores de escravos: dois ensaios de interpretação. Trad. Laís Falleiros. Rio de Janeiro, Paz & Terra (Pensamento crítico, v. 35).

PRADO JR., Caio (1942). Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. 21ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1989.

PUTNAM, Robert D. (1996), Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. Trad. Luiz Alberto Monjardim. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getúlio Vargas.

SCHWARTZ, Stuart B. (1995). Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. Trad. de Laura Teixeira Motta. São Paulo, Companhia das Letras; Brasília, CNPq.


Este texto é parte do artigo que será apresentado no Worshop sobre valores humanos promovido pelo PNUD (http://www.pnud.org.br/home/) em Brasília entre os dias 24 e 25/08. O evento se inscreve no programa de elaboração do próximo Relatório de Desenvolvimento Humano.


quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Lições de um Vestibular

A criação do Campus da UFCG em Sumé foi um árduo processo. Município que abrigou a instalação de um campus avançado da UFCG em 2003, considerado como a “cabeça de ponte” da retomada do processo de interiorização da Instituição, foi preterido pela burocracia de Brasília na primeira fase de implementação do Plano de Expansão Institucional da UFCG (PLANEXP), pois o então Secretário de Educação Superior do MEC argumentava – vejam só! – que Sumé ficava muito próxima a Caruaru e Garanhuns, onde haviam sido implantados novos campi da UFPE e UFRPE, pioneiros no Programa de Expansão das IFES promovido pelo governo Lula.

Tanto o povo do Cariri quanto a administração superior da UFCG não se conformaram com tal avaliação e se irmanaram num processo de mobilização sem precedentes naquela histórica microrregião, culminando com a realização do “Grito do Cariri”, ato público realizado em 2006 que reuniu a sociedade civil organizada e a classe política do Estado, galvanizando todos os seus matizes partidários e ideológicos.

O principal argumento dos defensores da instalação do campus era que a região apresenta um dos menores índices de acesso de jovens de 18 a 24 anos ao ensino superior – 0,93%, de acordo com o IBGE – e ressaltavam que essa dramática cifra era decorrência da falta de instituições de ensino superior na região. Reivindicavam a instalação de um campus da UFCG por o considerarem como uma esperança de futuro para os inúmeros jovens e adultos egressos do ensino médio no Cariri e regiões circunvizinhas.

A força do argumento, a mobilização da sociedade civil e da classe política, bem como as articulações que a administração superior da UFCG logrou realizar em Brasília, finalmente sensibilizaram o Ministro da Educação que deu “sinal verde” para a criação do campus. Aprovado o Projeto Acadêmico no Colegiado Pleno do Conselho Universitário e liberados os recursos para a implantação do campus, o Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido foi oficialmente instalado em 2 de janeiro de 2009, com a nomeação da Diretoria pro tempore.

Desde então, iniciamos uma verdadeira cruzada para atingir a principal meta para este ano, de acordo com o Plano de Trabalho que foi protocolado no MEC: a abertura de 250 novas vagas em cinco cursos, com o início das atividades letivas no semestre 2009.2. Em parcos seis meses, contando com uma pequena, mas brava equipe de professores e servidores nomeados, bem como de colaboradores de outros Centros de Ensino da UFCG, a diretoria pro tempore encaminhou os cinco Projetos Pedagógicos dos Cursos à Câmara Superior de Ensino, realizou um concurso público de provas e títulos para a seleção de 51 docentes em 37 áreas do conhecimento e, em parceria com a COMPROV e PRE, realizou o Vestibular Especial.

As estatísticas do processo seletivo viriam a confirmar sobejamente a principal tese esgrimida pelos defensores da criação do Campus de Sumé, isto é, a existência de uma brutal demanda reprimida por ensino superior na região. De fato, para as 250 vagas disponibilizadas, candidataram-se 992 pessoas, estabelecendo uma concorrência média de 3,97 candidatos por vaga. Do total de candidatos inscritos, 965 eram provenientes da Paraíba (97,3%), sendo 778 do Cariri (78% do total).

O desempenho dos vestibulandos mostrou-se admirável, pois foram aprovados 245 candidatos para as 250 vagas oferecidas e, embora tenham sobrado cinco vagas para o Curso de Engenharia de Biossistemas (já ocupadas através do processo de reopção), ao final do processo seletivo havia uma lista de espera de 239 candidatos aprovados e não classificados nos outros quatro cursos oferecidos.

Concluído o cadastramento dos aprovados, o Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido registra um corpo discente em sua imensa maioria paraibano (98% do total) e dominantemente oriundo da região do Cariri Paraibano (73% do total), destacando-se os municípios de Sumé, com 97 alunos cadastrados (39% do total) e Serra Branca, com 31 alunos cadastrados (12% do total).

Assim, a grande lição do Vestibular Especial 2009 é que a Paraíba e, particularmente, o Cariri apresentam não apenas uma expressiva demanda por ensino superior, mas uma população preparada para concorrer com sucesso às vagas disponibilizadas pelas Instituições. Resta a nós, educadores e administradores, criarmos as condições necessárias para o sucesso desses jovens que responderam tão competentemente ao nosso chamado, não frustrando suas expectativas nem apagando suas esperanças. O primeiro passo, aliás condição sine qua non, é termos a garantia de que os docentes e servidores técnico-administrativos concursados sejam nomeados a tempo para o início do semestre letivo 2009.2.